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        NO MUNDO MAIOR
   FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER
DITADO PELO ESPÍRITO ANDRÉ LUIZ
              (5)
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  Série André Luiz

1 - Nosso Lar
2 - Os Mensageiros
3 - Missionários da Luz
4 - Obreiros da Vida Eterna
5 - No Mundo Maior
6 - Agenda Cristã
7 - Libertação
8 - Entre a Terra e o Céu
9 - Nos Domínios da Mediunidade
10 - Ação e Reação
11 - Evolução em Dois Mundos
12 - Mecanismos da Mediunidade
13 - Conduta Espírita
14 - Sexo e Destino
15 - Desobsessão
16 - E a Vida Continua...
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                               ÍNDICE
Na jornada evolutiva

CAPÍTULO 1 = Entre dois planos
CAPÍTULO 2 = A preleção de Eusébio
CAPÍTULO 3 = A Casa Mental
CAPÍTULO 4 = Estudando o cérebro
CAPÍTULO 5 = O poder do amor
CAPÍTULO 6 = Amparo fraternal
CAPÍTULO 7 = Processo redentor
CAPÍTULO 8 = No Santuário da Alma
CAPÍTULO 9 = Mediunidade
CAPÍTULO 10 = Dolorosa perda
CAPÍTULO 11 = Sexo
CAPÍTULO 12 = Estranha enfermidade
CAPÍTULO 13 = Psicose afetiva
CAPÍTULO 14 = Medida salvadora
CAPÍTULO 15 = Apelo cristão
CAPÍTULO 16 = Alienados mentais
CAPÍTULO 17 = No limiar das cavernas
CAPÍTULO 18 = Velha afeição
CAPÍTULO 19 = Reaproximação
CAPÍTULO 20 = No lar de Cipriana
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                         Na jornada evolutiva
        Dos quatro cantos da Terra diariamente partem viajores humanos, aos
milhares, demandando o país da Morte. Vão-se de ilustres centros da cultura
européia, de tumultuárias cidades americanas, de velhos círculos asiáticos, de
ásperos climas africanos. Procedem das metrópoles, das vilas, dos campos ...
          Raros viveram nos montes da sublimação, vinculados aos deveres
nobilitantes. A maioria constitui-se de menores de espírito, em luta pela outorga
de títulos que lhes exaltem a personalidade. Não chegaram a ser homens
completos. Atravessaram o “mare magnum” da humanidade em contínua
experimentação. Muita vez, acomodaram-se com os vícios de toda a sorte,
demorando voluntariamente nos trilhos da insensatez. Apesar disso, porém,
quase sempre se atribuíam a indébita condição de “eleitos da Providência”; e,
cristalizados em tal suposição, aplicavam a justiça ao próximo, sem se com
penetrarem das próprias faltas, esperando um paraíso de graças para si e um
inferno de intérmino tormento para os outros. Quando perdidos nos intrincados
meandros do materialismo cego, fiavam, sem justificativa, que no túmulo se
lhes encerraria a memória; e, se filiados a escolas religiosas, raros excetuados,
contavam, levianos e inconseqüentes, com privilégios que jamais nada fizeram
por merecer.
        Onde albergar a estranha e infinita caravana? como designar a mesma
estação de destino a viajantes de cultura, posição e bagagem tão diversas?
     Perante a Suprema Justiça, o malgache e o inglês fruem dos mesmos
direitos. Provavelmente, porém, estarão distanciados entre si, pela conduta
Individual, diante da Lei Divina, que distingue, invariavelmente, a virtude e o
crime, o trabalho e a ociosidade, a verdade e a simulação, a boa vontade e a
indiferença. Da contínua peregrinação do sepulcro, participam, todavia, santos
e malfeitores, homens diligentes e homens preguiçosos.
     Como avaliar por bitola única recipientes heterogêneos? Considerando,
porém, nossa origem comum, não somos todos filhos do mesmo Pai? E por
que motivo fulminar com inapelável condenação os delinqüentes, se o
dicionário divino inscreve a letras de logo as palavras “regeneração”, “amor” e
“misericórdia”? Determinaria o Senhor o cultivo compulsório da esperança
entre as criaturas, ao passo que Ele mesmo, de Sua parte, desesperaria?
Glorificaria a boa vontade, entre os homens, e conservar-se-ia no cárcere
escuro da negação? O selvagem que haja eliminado os semelhantes, a
flechadas, teria recebido no mundo as mesmas oportunidades de aprender que
felicitam o europeu supercivilizado, que extermina o próximo à metralhadora?
estariam ambos preparados ao ingresso definitivo no paraíso de bem-
aventurança infindável tão sÔmente pelo batismo simbólico ou graças a tardio
arrependimento no leito de morte?
A lógica e o bom-senso nem sempre se compadecem com argumentos
teológicos imutáveis. A vida nunca interrompe atividades naturais, por im-
posição de dogmas estatuídos de artifício. E, se mera obra de arte humana,
cujo termo é a bolorenta placidez dos museus, exige a paciência de anos para
ser empreendida e realizada, que dizer da obra sublime do aperfeiçoamento da
alma, destinada a glórias imarcescíveis?
     Vários companheiros de ideal estranham a cooperação de André Luiz, que
nos tece informações sobre alguns setores das esferas mais próximas ao
comum dos mortais.
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    Iludidos na teoria do menor esforço, inexistente nos círculos elevados,
contavam com preeminência pessoal, sem nenhum testemunho de serviço e
distantes do trabalho digno, em um céu de gozos contemplativos, exuberante
de conforto melifico. Prefeririam a despreocupação das galerias, em beatitude
permanente, onde a grandeza divina se limitaria a prodigioso. espetáculos,
cujos números mais surpreendentes estariam a cargo dos Espíritos Superiores,
convertidos em jograis de vestidura brilhante.
    A missão de André Luiz é, porém, a de revelar os tesouros de que somos
herdeiros felizes na Eternidade, riquezas imperecíveis; em cuja posse jamais
entraremos sem a Indispensável aquisição de Sabedoria e de Amor.
    Para isto, não lidamos em milagrosos laboratórios de felicidade
improvisada, onde se adquiram dotes de vil preço e ordinárias asas de cera.
Somos filhos de Deus, em crescimento. Sela nos campos de forças
condensadas, quais os da luta física, seja nas esferas de energias sutis, quais
as do plano superior, os ascendentes que nos presidem os destinos são de
ordem evolutiva, pura e simples, com indefectível justiça a seguirmos de perto,
à claridade gloriosa e com passiva do Divino Amor.
    A morte a ninguém propIciará passaporte gratuito para a ventura celeste.
Nunca promoverá compulsoriamente homens a anjos. Cada criatura trans-porá
essa aduana da eternidade com a exclusiva bagagem do que houver semeado,
e aprenderá que a ordem e a hierarquia, a paz do trabalho edificante, são
característicos imutáveis da Lei, em toda parte.
    Ninguém, depois do sepulcro, gozará de um descanso a que não tenha feito
jus, porque “o Reino do Senhor não vem com aparências externas”.
    Os companheiros que compreendem, na experiência humana, a escada
sublime, cujos degraus há que vencer a preço de suor, com o proveito das
bênçãos celestiais, dentro da prática Incessante do bem, não se surpreenderão
com as narrativas do mensageiro interessado no servir por amor. Sabem eles
que não teriam recebido o dom da vida para matar o tempo, nem a dádiva da’
fé para confundir os semelhantes, absorvidos, que se acham, na execução dos
Divinos Desígnios. Todavia, aos crentes do favoritismo, presos à teia de velhas
ilusões, ainda quando se apresentem com os mais respeitáveis títulos, as
afirmativas do emissário fraternal provocarão descontentamento e
perplexidade.
    É natural, porém: cada lavrador respira o ar do campo que escolheu.
    Para todos, contudo, exoramos a bênção do Eterno: tanto para eles, quanto
para nós.

                                                    EMMANUEL

             Pedro Leopoldo, 25 de março de 1947.
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                                   1
                           Entre dois planos
     Esplendia o luar, revestindo os ângulos da paisagem de intensa luz.
Maravilhosos cúmulos a Oeste, espraiados no horizonte, semelhavam-se a
castelos de espuma láctea, perdidos no imenso azul; confinando com a
amplidão, o quadro terrestre contrastava com o doce encantamento do alto,
deixando entrever a vasta planície, recamada de arvoredo em pesado verde-
escuro. Ao Sul, caprichosos cirros reclinavam-se do Céu sobre a Terra, simboli-
zando adornos de gaze esvoaçante; evoquei, nesse momento, a juventude da
Humanidade encarnada, perguntando a mim mesmo se aquelas bandas alvas
do firmamento não seriam faixas celestiais. a protegerem o repouso do
educandário terrestre.
     A solidão imponente do plenilúnio infundia-me quase terror pela melancolia
de sua majestosa e indizível beleza.
     A idéia de Deus envolvia-me o pensamento, arrancando-me notas de
respeito e gratidão, que eu, entretanto, não chegava a emitir. Em plena casa da
noite, rendia culto de amor ao Eterno, que lhe criara os fundamentos sublimes
de silêncio e de paz, em refrigério das almas encarnadas na Crosta da Terra.
     O luminoso disco lunar irradiava, destarte, maravilhosas sugestões. Aos
seus reflexos, iniciara-se a evolução terrena, e numerosas civilizações haviam
modificado o curso das experiências humanaS. Aquela mesma lâmpada
suspensa clareara o caminho dos seres primitivos, conduzira os passos dos
conquistadores, norteara a jornada dos santos. Testemunha impassível,
observara a fundação de cidades suntuosas, acompanhando-lhes a
prosperidade e a decadência; contemplara as incessantes renovações da
geografia política do mundo; brilhara sobre a testa coroada dos príncipes e
sobre o cajado de misérrimos pastores; presenciava, todos os dias, há longos
milênios, o nascimento e a morte de milhões de seres. Sua augusta serenidade
refletia a paz divina, Cá em baixo, desencarnados e encarnados, possuidores
de relativa inteligência, podíamos proceder a experimentos, reparar estradas,
contrair compromissos ou edificar virtudes, entre a esperança e a inquietação,
aprendendo e recapitulando sempre; mas a Lua, solitária e alvinitente, trazia-
nos a idéia da tranquilidade inexpugnável da Divina Lei.
    — A região do encontro está próxima.
    A palavra do Assistente Calderaro interrompeu-me a meditação.
    O aviso fazia-me sentir o trabalho, a responsabilidade; lembrava,
sobretudo, que não me encontrava só.
    Não viajávamos, ambos, sem objetivo.
    Em breves minutos, partilharíamos os trabalhos do Instrutor Eusébio,
abnegado paladino do amor cristão, em serviço de auxílio a companheiros
necessitados.
   Eusébio dedicara-se, de há muito, ao ministério do socorro espiritual, com
vastíssimos créditos em nosso plano. Renunciara a posições de realce e adiara
sublimes realizações, consagrando-se inteiramente aos famintos de luz.
Superintendia prestigiosa organização de assistência em zona intermediária,
atendendo a estudantes relativamente espiritualizados, pois ainda jungidos ao
círculo carnal, e a discípulos recém-libertos do campo físico.
     A enorme instituição, a que dedicava direção fulgurante, regurgitava de
almas situadas entre as esferas inferiores e as superiores, gente com imen-
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sidão de problemas e de indagações de toda a espécie, a requerer-lhe
paciência e sabedoria; entretanto, o indefesso missionário, mau grado ao cons-
tante acúmulo de serviços complexos, encontrava tempo para descer
semanalmente à Crosta Planetária, satisfazendo interesses imediatos de
aprendizes que se candidatavam ao discipulado, sem recursos de elevação
para vir ao encontro de seu verbo iluminado, na sede superior.
     Não o conhecia pessoalmente. Calderaro, porém, recebia-lhe a orientação,
de conformidade com o quadro hierárquico, e a ele se referira com o
entusiasmo do subordinado que se liga ao chefe, guardando o amor acima da
obediência.
     O Assistente, a seu turno, prestava serviço ativo na própria Crosta da
Terra, a atender, de modo direto, aos irmãos encarnados. Especializara-se na
ciência do socorro espiritual, naquela que, entre os estudiosos do mundo,
poderíamos chamar «psiquiatria iluminada», setor de realizações que há muito
tempo me seduzia.
     Dispondo de uma semana sem obrigações definidas, dentre os encargos
que me diziam respeito, solicitei ingresso na turma de adestramento, da qual se
fizera Calderaro eminente orientador, tendo-me ele aceito com a gentileza
característica dos legítimos missionários do bem e propondo-se conduzir-me
carinhosamente. Encontrava-se em oportunidade favorável aos meus
propósitos de aprender, pois a equipe de preparação, que lhe recebia
ensinamentos, excursionava em outra região, a labutar em atividades
edificantes; à vista disso, poderia dispensar-me toda a atenção, auxiliando-me
os desejos.
     Os casos que lhe eram atinentes, explicou-me solícito, não apresentavam
continuidade substancial: desdobravam-se; constituíam obra de improviso,
obedeciam ao inopinado das ordens de serviço ou das situações. Noutros
campos de ação, fazia-se imprescindível o roteiro, previstas as condições e as
circunstâncias. No quadro de responsabilidades, porém, que lhe estavam
afetas, diferiam as normas; importava acompanhar os problemas, quais impre-
vistas manifestações da própria vida. Em virtude de tais flutuações, não
traçava, a rigor, programas quanto a particularidades. Executava os deveres
que lhe competiam, onde, como e quando determinassem os desígnios
superiores. O escopo fundamental da tarefa circunscrevia-se ao socorro ime-
diato aos infelizes, evitando-se, quanto possível, a loucura, o suicidio e os
extremos desastres morais. Para isto, o missionário atuante era compelido a
conhecer profundamente o jogo das forças psíquicas, com acendrado
devotamento ao bem do próximo. Calderaro, neste particular, não deixava
perceber qualquer dúvida. A bondade espontânea lhe era indício da virtude, e a
inquebrantável serenidade revelava-lhe a sabedoria.
     Não lhe gozava o convívio desde muitos dias. Abraçara-o na véspera pela
primeira vez; bastou, no entanto, um minuto de sintonia, para que se
estabelecesse entre nós sadia intimidade. Embora lhe reconhecesse a
sobriedade verbal, desde o momento do nosso encontro permutávamos
impressões como velhos amigos.
     Seguindo-lhe, pois, os passos, afetuosamente, de alma edificada na
fraternidade e na confiança, vi-me a reduzida distância de extenso parque, em
plena natureza terrestre.
     Em torno, árvores robustas, de copas farfalhantes, alinhavam-se, à
maneira de sentinelas adrede postadas para velar-nos pelos serviços.
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     O vento passava cantando, em surdina; no recinto iluminado de claridades
inacessíveis à faculdade receptiva do olhar humano, aglomeravam-se algumas
centenas de companheiros, temporàriamente afastados do corpo físico pela
força liberativa do sono.
     Amigos de nossa esfera atendiam-nos com desvelo, mostrando interesse
afetivo, prazer de servir e santa paciencia. Reparei que muitos se mantinham
de pé; outros, contudo, se acomodavam nas protuberâncias do solo alcatifado
de relva macia, em palestra grave e respeitosa.
     Ambientando-me para aquela hora de extrema beleza espiritual, Calderaro
avisou-me:
     — Na reunião de hoje o Instrutor Eusébio receberá estudantes do
espiritualismo, em suas correntes diversas, que se candidatam aos serviços de
vanguarda.
     — Oh! — exclamei, curioso — Não se trata, pois, de assembleia, que
agrupe indivíduos filiados indiscriminadamente às escolas da fé?
     O Assistente esclareceu, de pronto:
     — A medida não seria aconselhável no círculo de nossa especialidade. O
Instrutor afeiçoou-se ao apostolado de assistência a criaturas encarnadas e a
recém-libertas da zona física, em particular, precisando aproveitar o tempo com
as horas de preleção, para o máximo de aproveitamento. A heterogeneidade
de princípios em centenas de individuos, cada qual com sua opinião, obrigaria
a digressões difusas, acarretando condenáveis desperdícios de oportunidades.
      Fixou a multidão demoradamente, e acrescentou:
      — Temos aqui, em cálculo aproximado, mil e duzentas pessoas. Deste
número oitenta per cento se constituem de aprendizes dos templos espiritua-
listas, em seus ramos diversos, ainda inaptos aos grandes vôos do
conhecimento, conquanto nutram fervorosas aspirações de colaboração no
Plano Divino. São companheiros de elevado potencial de virtudes.
Exemplificam a boa vontade, exercitam-se na iluminação interior através de
esforço louvável; contudo, ainda não criaram o cerne da confiança para uso
próprio. Tremem ante as tempestades naturais do caminho e hesitam no
círculo das provas necessárias ao enriquecimento da alma, exigindo de nós
particular cuidado, pois que, pelos seus testemunhos de diligência na obra
espiritualizante, são os futuros instrumentos para os serviços da frente. Apesar
da claridade que lhes assinala as diretrizes, ainda padecem desarmonias e
angústias, que lhes ameaçam o equilíbrio incipiente. Não lhes falece, porém, a
assistência precisa. Instituições de restauração de forças abrem-lhes as portas
acolhedoras em nossas esferas de ação. A libertação pelo sono é o recurso
imediato de nossas manifestações de amparo fraterno. A princípio, recebem-
nos a influência inconscientemente; em seguida, porém, fortalecem a mente.
devagarinho, gravando-nos o concurso na memória, apresentando idéias,
alvitres, sugestões, pareceres e inspirações beneficentes e salvadoras, através
de recordações imprecisas.
     Fez breve pausa e concluiu:
     — Os demais são colaboradores de nosso plano em tarefa de auxílio.
     A organização dos trabalhos era digna de sincera admiração. Estávamos
num campo substancialmente terrestre. A atmosfera, impregnada de aromas
que o vento espargia em torno, recordava-me o lar na Terra, contornado de seu
jardim, em noite cálida.
     Que teria eu realizado no mundo físico se recebesse, em outro tempo,
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aquela bendita oportunidade de iluminação? Aquele punhado de mortais, sob
os raios da Lua, afigurou-se-me assembleia de privilegiados, favorecidos por
celestes numnes. Milhões de homens e mulheres a dormir em cidades
Próximas, algemados aos interesses imediatoS e ansiando a permuta das mais
vis sensações, nem de longe suspeitariam a existência daquela original
aglomeração de candidatos à luz intima, convocados à preparação intensiva
para incursões mais longas e eficientes na espiritualidade superior. Teriam a
noção do sublime ensejo que lhes aprazia? aproveitariam a dádiva com
suficiente compreensão dos valores eternos? marchariam desassombrados
para a frente, OU estacionariam ao contacto dos primeiros óbices, no esforço
iluminativo?
      Calderaro percebeu-me as silenciosas perquirições e acrescentou:
      — Nossa comunidade de trabalho se dedica, essencialmente, à
manifestação do equilíbrio. Não ignoras que a. codificação do plano mental das
criaturas ninguém jamais a impõe: é fruto de tempo, de esforço, de evolução; e
o edifício da sociedade humana, em o atual momento do mundo, vem sendo
abalado nos próprios alicerces, compelindo imenso número de pessoas a
imprevistas renovações. Certo, não te surpreenderás se eu disser que, em face
do surto da inteligência moderna, que embate na paralisia do sentimento,
periclita a razão. O progreSsO material atordoa a alma do homem desatento.
Grandes massas, há séculos, permanecem distanciadas da luz espiritual. A
civiliZaçãO puramente científica é um Saturno devorador, e a humanidade de
agora se defronta com implacáveis exigências de acelerado crescer mental.
Daí o agravo de nossas obrigações no setor da assistência. As necessidades
de preparação do espírito intensificam-se em ritmo assustador.
      Nesse instante, alcançamos a multidão pacífica.
      Meu interlocutor sorriu, frisando:
      — O acaso não opera prodígios. Qualquer realização há que planejar,
atacar, por a termo. Para que o homem físico se converta em homem espi
ritual, o milagre exige muita colaboração de nossa parte.
      Lançou-me olhar significativo e concluiu:
      — As asas sublimes da alma eterna não se expandem nos acanhados
escaninhos de uma chocadeira. Há que trabalhar, brunir, sofrer.
      Nesse momento, aproximou-se alguém dirigindo-nos a palavra: era um
solícito companheiro, informando-nos que Eusébio penetrara o recinto.
Efetivamente, em saliência próxima, comparecia o missionário, ladeado por
seis assessores, todos envoltos em halos de intensa luz.
      O abnegado orientador não exibia os traços de venerável senectude com
que em geral imaginamos os apóstolos das revelações divinas; mostrava-se-
nos com a figura dos homens robustos, em plena madureza espiritual; os olhos
escuros e tranquilos pareciam fontes de imenso poder magnético.
Contemplava-nos sorridente, qual simples colega.
      A presença dele impusera, porém, respeitoso silencio. Cessaram todas as
conversações que aqui e ali se entretinham, e ante os fios de luz que os
trabalhadores de nosso plano teciam em derredor, isolando-nos de qualquer
assédio eventual das forças inferiores, apenas o vento calmo erguia a voz,
sussurrando algo de belo e misterioso à folhagem.
      Sentamo-nos todos, à escuta, enquanto o Instrutor se mantinha de pé;
observando-o, quase frente a frente, eu podia agora apreciar-lhe a figura
majestosa, respirando segurança e beleza. Do rosto imperturbável, a bondade
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e a compreensão, a tolerância e a doçura irradiavam simpatia inexcedível. A
túnica ampla, de tom verde-claro, emitia esmeraldinas cintilações. Aquela
vigorosa personalidade infundia veneração e carinho, confiança e paz.
     Consolidada a quietude no ambiente, elevou a destra para o Alto e orou
com inflexão comovedora:

                             Senhor da Vida,
                         Abençoa-nos o propósito
                      De penetrar o caminho da Luz!...

                            Somos Teus filhos,
                    Ainda escravos de círculos restritos,
                           Mas a sede do Infinito
                       Dilacera-nos os véus do ser.

                        Herdeiros da imortalidade,
                     Buscamos-Te as fontes eternas
                Esperando, confiantes, em Tua misericórdia.

                 De nós mesmos, Senhor, nada podemos.
                    Sem Ti, somos frondes decepadas
                        Que o fogo da experiência
                         Tortura ou transforma...

                     Unidos, no entanto, ao Teu Amor,
                     Somos condicionadores gloriosos
                       De Tua Criação interminável.

                          Somos alguns milhares
                          Neste campo terrestre;
                            E, antes de tudo,
                        Louvamos-Te a grandeza
                     Que não nos oprime a pequenez...

                   Dilata-nos a percepção diante da vida,
                              Abre-nos os olhos
                       Enevoados pelo sono da ilusão
                  Para que divisemos Tua glória sem fim!...
                     Desperta-nos docemente o ouvido,
                       A fim de percebermos o cântico
                         De tua sublime eternidade.
                    Abençoa as sementes de sabedoria
                   Que os teus mensageiros esparziram
                        No campo de nossas almas;
                         Fecunda-nos o solo interior,
                 Para que os divinos germens não pereçam.

                               Sabemos, Pai,
                           Que o suor do trabalho
                          E a lágrima da redenção
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                         Constituem adubo generoso
                     A floração de nossas sementeiras;
                                   Todavia,
                              Sem Tua bênção,
                             O suor elanguesce
                           E a lágrima desespera...
                         Sem Tua mão compassiva,
                           Os vermes das paixões
                     E as tempestades de nossos vícios
                   Podem arruinar-nos a lavoura incipiente.

                        Acorda-nos, Senhor da Vida,
                  Para a luz das oportunidades presentes;
                 Para que os atritos da luta não as inutilizem,
                   Guia-nos os pés para o supremo bem;
                           Reveste-nos o coração
                       Com a Tua serenidade paternal,
                      Robustecendo-nos a resistência!
                             Poderoso Senhor,
                          Ampara-nos a fragilidade,
                            Corrige-nos os erros,
                         Esclarece-nos a ignorância,
                    Acolhe-nos em Teu amoroso regaço.

                         Cumpram-se, Pai Amado,
                        Os Teus desígnios soberanos,
                              Agora e sempre.
                                Assim seja.

     Finda a comovente rogativa, o orientador baixou os olhos nevoados de
pranto, e então vi, dominado de júbilo, que da incognoscível altura uma
claridade diferente caía sobre nós, em jorros cristalinos.
     Partículas semelhantes a prata eterizada choviam no recinto, infiltrando-se
nas raízes das árvores mais próximas, lá fora.
     Ignoto encantamento fizera-se em minhalma. Ao contacto dos eflúvios
divinos, reparei que minhas forças gradualmente serenavam, em receptividade
maravilhosa. Em torno, pairavam as mesmas notas de alegria e de beleza, pois
a calma e a ventura transpareciam de todos os rostos, voltados, extáticos, para
o Instrutor, em redor do qual se mostravam mais intensas as ondas de luz
celeste.
     Sublime felicidade inundava-me todo o ser, mergulhara-me em indefinível
banho de energias renovadoras.
     Meus olhos foram impotentes para conter as lágrimas felizes que as
formosas cintilações me destilavam das fontes ocultas do espírito. E, antes que
o nobre mentor retomasse a palavra, agradeci em silêncio a resposta do Céu,
reconhecendo na prece, mais uma vez, não só a manifestação da reverência
religiosa, senão também o recurso de acesso aos inesgotáveis mananciais do
Divino Poder.
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                                 2
                       A preleção de Eusébio
     Erecto, incendido o tórax de suave luz, falou o Instrutor,
comovedoramente:
     — «Dirigimo-nos a vós, irmãos, que tendes, por enquanto, ensejo de
aprender na bendita escola carnal.
     «Tangidos pela necessidade, na sede de ciência ou na angústia do amor
que transpõe abismos, vencestes pesadas fronteiras vibratórias, encontrando-
vos na estaca zero do caminho diferente que se vos antolha. Enquanto vossa
organização fisiológica repousa a distância, exercitando-se para a morte,
vossas almas quase libertas partilham conosco a fraternidade e a esperança,
adestrando faculdades e sentimentos para a verdadeira vida.
     «Naturalmente, não podereis guardar plena recordação desta hora, em
retomando o envoltório carnal, em virtude da deficiência do cérebro, incapaz de
suportar a carga de duas vidas simultâneas; a lembrança de nosso
entendimento persistirá, contudo, no fundo de vosso ser, orientando-vos as
tendências superiores para o terreno da elevação e abrindo-vos a porta intuitiva
para que vos assista nosso pensamento fraternal».
     O orador fez breve pausa, fixando-nos o olhar calmo e lúcido, e, sob a leve
e incessante chuva de raios argênteos, continuou:
    — Enfastiados das repetidas sensações no plano grosseiro da existência,
intentais pisar outros domínios. Buscais a novidade, o conforto desconhecido, a
solução de torturantes enigmas; todavia, não olvideis que a chama do próprio
coração, convertido em santuário de claridade divina, é a única lâmpada capaz
de iluminar o mistério espiritual, em nossa marcha pela senda redentora e
evolutiva. Ao lado de cada homem e de cada mulher, no mundo, permanece
viva a Vontade de Deus, relativamente aos deveres que lhes cumprem. Cada
qual tem à sua frente o serviço que lhe compete, como cada dia traz consigo
possibilidades especiais de realização no bem. O Universo enquadra-se na
ordem absoluta. Aves livres em limitados céus, interferimos no plano divino,
criando para nós prisões e liames, libertação e enriquecimento. Insta, pois, nos
adaptemos ao equilíbrio divino, atendendo à função insulada que nos cabe, em
plena colmeia da vida.
     “Desde quando fazemos e desfazemoS, terminamos e recomeçamos,
empreendemos a viagem reparadora e regressamos, perplexos, para o
reinício? Somos, no palco da Crosta planetária, os mesmos atores do drama
evolutivo. Cada milênio é ato breve, cada século um cenário veloz. Utilizando
corpos sagrados, perdemos, entretanto, quais despreocupadas crianças,
entretidas apenas em jogos infantis, o ensejo santificante da existência; des-
tarte, fazemo-nos réprobos das leis soberanas, que nos enredam aos
escombros da morte, como náufragos piratas por muito tempo indignos do
retorno às lides do mar. Enquanto milhões de almas desfrutam bons ensejos de
emenda e reajustamento, de novo entregues ao esforço regenerativo nas
cidades terrestres, milhões de outras deploram a própria derrota, perdidas no
atro recesso da desilusão e do padecimento.
     (Não nos reportamos aqui aos missionários heróicos que suportam as
sangrentas feridas dos testemunhos angustiosos, por espírito de renúncia e de
amor, de solidariedade e de sacrifício; são luzes provisoriamente apartadas da
Luz Divina e que voltam ao domicilio celeste, como o trabalhador fiel regressa
13


ao lar, finda a cotidiana tarefa.
      «Referimo-nos às bastas multidões de almas indecisas, presas da
ingratidão e da dúvida, da fraqueza e da dissipação, almas formadas à luz da
razão, mas escravizadas à tirania do instinto».
      E num rasgo de humildade cristã, Eusébio continuou:
      - «Falamos de todos nós, viajores que extravagamos no deserto da própria
negação; de nós, pássaros de asas partidas, que tentamos voar ao ninho da
liberdade e da paz, e que, no entanto, ainda nos debatemos no chavascal dos
prazeres de ínfima estofa. Porque não represar o curso das paixões corrosivas
que nos flagelam o espírito? porque não sofrear o ímpeto da animalidade, em
que nos comprazemos, desde os primeiros laivos de raciocínio? Sempre o
terrível dualismo da luz e das trevas, da compaixão e da perversidade, da
inteligência e do impulso bestial. Estudamos a ciência da espiritualidade
consoladora desde os primórdios da razão, e, todavia, desde as épocas mais
remotas, consagramo-nos ao aviltamento e ao morticínio.
      «Cantávamos hinos de louvor com Krishna, aprendendo o conceito da
imortalidade da alma, à sombra das árvores augustas que aspiram aos cimos
do Himalaia, e descíamos, logo depois, ao vale do Ganges, matando e
destruindo para gozar e possuir. Soletrávamos o amor universal com Sidarta
Gautama, e perseguíamos os semelhantes, em aliança com os guerreiros
cingaleses e hindus. Fomos herdeiros da Sabedoria, nos tempos distantes da
Esfinge, e, no entanto, da reverência aos mistérios da iniciação passávamos à
hostilidade sanguissedenta, nas margens do Nilo. Acompanhando a arca
simbólica dos hebreus, reiteradas vezes líamos os mandamentos de Jeová,
contidos nos rolos sagrados, e, desatentos, os esquecíamos, ao primeiro
clangor de guerra aos fiisteus. Chorávamos de comoção religiosa em Atenas, e
assassinávamos nossos irmãos em Esparta. Admirávamos Pitágoras, o
filósofo, e seguíamos Alexandre, o conquistador. Em Roma, conduzíamos
oferendas valiosas aos deuses, nos maravilhosos santuários, exaltando a
virtude, para desembainhar as armas, minutos depois, no átrio dos templos,
disseminando a morte e entronizando o crime; escrevíamos formosas sen-
tenças de respeito à vida, com Marco Aurélio, e ordenávamos a matança de
pessoas limpas de culpa e úteis à sociedade. Com Jesus, o Divino Crucificado,
nossa atitude não tem sido diferente. Sobre os despojos dos mártires, imolados
nos circos, vertemos rios de sangue em vindita cruel, armando fogueiras do
sectarismo religioso. Suportamos administradores arbitrários e ignominiosos,
de Nero a Diocleciano, porque tínhamos fome de poder, e quando Constantino
nos abriu as portas da dominação política, convertemo-nos de servos aparente-
mente fiéis ao Evangelho em criminosos árbitros do mundo. Pouco a pouco
esquecemos os cegos de Jericó, os paralíticos de Jerusalém, as crianças do
Tiberíades, os pescadores de cafarnaum, para afagar as testas coroadas dos
triunfadores, embora soubéssemos que os vencedores da Terra não podem
fugir à peregrinação ao sepulcro. Tornou-se a ideia do Reino de Deus fantasia
de ingênuos, pois não largávamos o lado direito dos príncipes, sequiosos de
fastígio mundano. Ainda hoje, decorridos quase vinte séculos sobre a cruz do
Salvador, benzemos baionetas e canhões, metralhadoras e tanques de assalto,
em nome do Pai Magnânimo, que faz refulgir o sol da misericórdia sobre os
justos e sobre os injustos.
      «É por esta razão que nossos celeiros de luz permanecem vazios. O
vendaval das paixões fulminantes de homens e de povos passa ululante, de
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um a outro pólo, a semear maus presságios.
      «Até quando seremos gênios demolidores e perversos? Ao invés de
servos leais do Senhor da Vida, temos sido soldados dos exércitos da ilusão,
deixando à retaguarda milhões de túmulos, abertos sob aluviões de cinza e
fumo. Debalde exortou-nos o Cristo a buscar as manifestações do Pai em
nosso próprio Intimo. Cevamos e expandimos ünicamente o egoísmo e a
ambição, a vaidade e a fantasia na Crosta Planetária. Contraímos pesados
débitos e escravizamo-nos aos tristes resultados de nossas obras, deixando-
nos ficar, indefinidamente, na messe dos espinhos.
      «Foi assim que atingimos a época moderna, em que a loucura se
generaliza e a harmonia mental do homem está a pique de soçobro. De
cérebro evolvido e coração imaturo, requintamo-nos, presentemente, na arte de
esfacelar o progresso espiritual. »
      O excelso orientador deu à oração mais longo intervalo, durante o qual
observei companheiros em torno. Homens e mulheres, segurando alguns for-
temente as mãos uns dos outros, exibiam extrema palidez no semblante
estarrecido. Alguns deles, por certo, compareciam ali pela primeira vez, como
eu, dado o extático assombro que se lhes estampava no rosto.
      Fixando na assembléia o olhar percuciente, o Instrutor prosseguiu:
— (Nos séculos pretéritos, as cidades florescentes do mundo desapareciam
pelo massacre, ao gládio dos conquistadores sem entranhas, ou estacionavam
sob a onda mortífera da peste desconhecida e não atacada. Hoje, as
coletividades humanas ainda sofrem o assédio da espada homicida, e chuvas
de bombas arremetem contra populações indefesas; no entanto, a febre
amarela, a cólera e a varíola foram dominadas; a lepra, a tuberculose
e o câncer experimentam combate sem tréguas. Existe, porém, nova ameaça
ao domicílio terrestre:
o profundo desequilíbrio, a desarmonia generalizada, as moléstias da alma que
se ingerem, sutis, solapando-vos a estabilidade.
      «Vossos caminhos não parecem percorridos por seres conscientes, mas
semelham-se a estranhas veredas, ao longo das quais tripudiam duendes alu-
cinados. Como fruto de eras sombrias, caracterizadas pela opressão e
maldade recíprocas, em que temos vivido, odiando-nos uns aos outros, vemos
a Terra convertida em campo de quase intérminas hostilidades. Homens e
nações perseguem o mito do ouro fácil; criaturas sensíveis abandonam-se aos
distúrbios das paixões; cérebros vigorosos perdem a visão interior,
enceguecidos pelos enganos da personalidade e do autoritarismo.
Empenhados em disputas intermináveis, em duelos formidandos de opinião,
conduzidos por desvairadas ambições inferiores, os filhos da Terra abeiram-se
de novo abismo, que o olhar conturbado não lhes deixa perceber. Esse hiante
vórtice, meus irmãos, é o da alienação mental, que não nos desintegra só os
patrimônios celulares da vida física, senão também nos atinge o tecido sutil da
alma, invadindo-nos o cerne do corpo perispiritual. Quase todos os quadros da
civilização moderna se acham comprometidos na estrutura fundamental.
Precisamos, pois, mobilizar todas as forças ao nosso alcance, a serviço da
causa humana, que é a nossa própria causa.
      «O trabalho salvacionista não é exclusividade da religião: constitui
ministério comum a todos, porque dia virá em que o homem há de reconhecer
a Divina Presença em toda a parte. A realização que nos compete não se filia
ao particularismo: é obra genérica para a coletividade, esforço do servidor
15


honesto e sincero, interessado no bem de todos.
     “Se visuais a nossa companhia buscando orientação para o trabalho
sublime do espírito, não vos esqueça vossa luz própria. Não conteis com
archotes alheios para a jornada. Em míseros planos de sofrimento
regenerador, nas vizinhanças da carne, choram amargamente milhões de
homens e de mulheres que abusaram do concurso dos bons, precipitando-se
nas trevas ao perder no túmulo os olhos efêmeros com que apreciavam a
paisagem da vida à luz do Sol. Displicentes e recalcitrantes, esquivaram-se a
todas as oportunidades de acender a própria lâmpada. Aborreciam os atritos da
luta, elegeram o gozo corporal como objetivo supremo de seus propósitos na
Terra; e, quando a morte lhes cerrou as pálpebras saciadas, passaram a co-
nhecer uma noite mais longa e mais densa, referia de angústias e de pavores.»
     Nesse momento, Eusébio interrompeu-se por mais de um minuto, como a
recordar cenas comovedoras que as imagens de seu verbo evocavam,
demonstrando certa vaguidade no olhar.
     Notei a ansiedade com que a assembléia aguardava o retorno de sua
palavra. Damas sensibilizadas ressumbravam forte impressão nas fisionomias
transfiguradas, e todos nós, ante a exposição leal e comovente, nos
mantínhamos quedos e aturdidos.
     Decorridos longos segundos, o orador prosseguiu com inflexão enérgica e
patriarcal:
     - «Procurais conosco a precisa orientação para os trabalhos que vos
tangem presentemente na Crosta da Terra. Seduzidos pela claridade da Esfera
Superior, fascinados pelas primeiras noções do amor universal, desejais a
graça da cooperação na sementeira do porvir. Reclamais asas para os surtos
sublimes, tendes em mira coadjuvar no esforço de elevação.
     Indubitavelmente, a intenção não pode ser mais nobre; é, entretanto,
indispensável considereis a vossa necessidade de integração no dever de cada
dia. Impossível é progredir no século, sem atender às obrigações da hora -
Torna-se imprescindível, na atualidade, recompor as energias, reajustar as
aspirações e santificar os desejos.
      - Não basta crer na imortalidade da alma. Inadiável é a iluminação de nós
mesmos, a fim de que sejamos claridade sublime. Não basta, para o arrojado
cometimento da redenção, o simples reconhecimento da sobrevivência da alma
e do intercâmbio entre os dois mundos. Os levianos e os maus, os ignorantes e
os estultos, podem corresponder-se igualmente a distância, de país a país.
Antes de mais nada importa elevar o coração, romper as muralhas que nos
encerram na sombra, esquecer as ilusões da posse, dilacerar os véus
espessos da vaidade, abster-se do letal licor do personalismo aviltante, para
que os clarões do monte refuljam no fundo dos vales, a fim de que o sol eterno
de Deus dissipe as transitórias trevas humanas.
     «Vanguardeiros da fé viva, que o desejais ser doravante no mundo, não
obstante os percalços que se nos defrontam, exige-se de vós a cabal demons-
tração de estardes certos da espiritualidade divina.
     «O Plano Superior não se interessa pela incorporação de devotos famintos
de um paraíso beatifico. Admitiríeis, porventura, vossa permanência na Crosta
Planetária, sem finalidades específicas? se a erva tenra deve produzir
consoante objetivos superiores, que dizer da magnífica inteligência do homem
encarnado? que não há que esperar da razão iluminada pela fé! Receberíamos
tão sagrados depósitos de conhecimento edificante para um sacrifício por
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nada? teríamos o aljôfar de tais bençãos para fortalecer o propósito egoístico
de alcançar o céu sem escalas preparatórias, sem atividades purificadoras?
     «Nossa meta, meus amigos, não se compadece com o exclusivismo
ególatra. A Porta Divina não se abre a espiritos que se não divinizaram pelo
trabalho incessante de cooperação com o Pai Altíssimo. E o solo do Planeta, a
que vos prendeis provisôriamente, representa o abençoado círculo de
colaboração que o Senhor vos confia. Recolhei o orvalho celeste no escrínio do
coração sedento de paz; contemplai as estrelas que nos acenam de longe,
como sublimes ápices da Divindade; todavia, não olvideis o campo de lutas
presentes.
     «O espiritualismo, nos tempos modernos, não pode restringir Deus entre
as paredes de um templo da Terra, porque a nossa missão essencial é a de
converter toda a Terra no templo augusto de Deus.
     «Para a nossa vanguarda de obreiros decididos e valorosos passou a face
de experimentação fútil, de investigações desordenadas, de raciocínios
periféricos. Vivemos a estruturação de sentimentos novos, argamassando as
colunas do mundo vindouro, com a luz acesa em nosso campo íntimo. Natural
é que os aprendizes recém-chegados experimentem, examinem, operem
sondagens e evoquem teorias brilhantes, em que as hipóteses concorram ao
lado da exibição personalista: compreensível e razoável. Toda escola
caracteriza-se pelos diversos cursos, que lhe formam os quadros e as
disciplinas. Não nos dirigimos aqui, porém, aos que ainda sonham na clausura
do «eu», enredados nos mil obstáculos da fantasia que lhes cristaliza as
impressões. Falamos a vós outros, que sentis a sede de universalismo,
anônimos companheiros da humanidade que se esforça por emergir das trevas
para a luz. Como aceitardes a estagnação como princípio e a felicidade
exclusivista como fim?
     «Alimentemos a esperança renovadora. Não invoqueis Jesus para justificar
anseios de repouso indébito. Ele não atingiu as culminâncias da Ressurreição
sem subir ao Calvário, e as suas lições referem-se à fé que transporta
montanhas.
     Não reclamemos, pois, ingresso em mundos felizes, antes de melhorar o
nosso próprio mundo. Esquecei o velho erro de que a morte do corpo constitui
milagrosa imersão da alma no rio do encantamento. Rendamos culto à vida
permanente, à justiça perfeita, e adaptemo-nos à Lei que nos apreciará o
mérito sempre de conformidade com as nossas próprias obras.
     «Nosso ministério é de iluminação e de eternidade.
     «O Governo Universal não nos circunscreveu as atividades à guarda de
altares perecíveis. Não fomos convocados a velar no círculo particular duma
interpretação exclusivista, senão a cooperar na libertação do espírito
encarnado, abrindo horizontes mais claros à razão humana, refazendo o
edifício da fé redentora que as religiões literalistas esqueceram.
     «Sopros imensos da onda evolucionista varrem os ambientes da Terra.
Todos os dias ruem princípios convencionais, mantidos a titulo de invioláveis
durante séculos. A mente humana, perplexa, écompelida a transições
angustiosas. A subversão de valores, a experiência social e o processo
acelerado de seleção pelo sofrimento coletivo perturbam os timidos e os
invigilantes, que representam esmagadora maioria em toda parte... Como
atender a esses milhões de necessitados espirituais, se não receberdes a
responsabilidade do socorro fraterno? como sanar a loucura incipiente, se não
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vos transformardes em ímãs que mantenham o equilíbrio? Sabemos que a
harmonia interior não é artigo de oferta e procura nos mercados terrestres, mas
aquisição espiritual só acessível no templo do Espírito.
     «Faz-se, pois, mister acendamos o coração em amor fraternal, à frente do
serviço. Não bastará, em nossas realizações, a crença que espera; indis-
pensável é o amor que confia e atende, transforma e eleva, como vaso legítimo
da Sabedoria Divina.
     «Sejamos instrumentos do bem, acima de expectantes da graça. A tarefa
demanda coragem e suprema devoção a Deus. Sem que nos convertamos em
luz, no círculo em que estivermos, em vão acometeremos a sombra, aos
nossos próprios pés. E, no prosseguimento da ação que nos compete, não nos
esqueçamos de que a evangelização das relações entre as esferas visíveis e
invisíveis é dever tão natural e tão inadiável da tarefa quanto a evangelização
das pessoas.
     Não busqueis o maravilhoso: a sede do milagre pode viciar-vos e perder-
vos.
     “Vinculai-vos, pela oração e pelo trabalho construtivo, aos planos
superiores, e estes vos proporcionarão contacto com os Armazéns Divinos, que
suprem a cada um de nós segundo a justa necessidade.
     “As ordenações que vos ajoujam na paisagem terrena, por mais ásperas
ou desagradáveis, representam a Vontade Suprema.
     «Não galgueis os obstáculos, nem tenteis contorná-los pela fuga
deliberada: vencei-os, utilizando a vontade e a perseverança, ensejando cresci-
mento aos vossos próprios valores.
     «Cuidai em não transitar sem a devida prudência nos caminhos da carne,
em que, muita vez, imitais a mariposa estouvada. Atendei as exigências de
cada dia, rejubilando-vos por satisfazer as tarefas mínimas.
     «Não intenteis o voo sem haver aprendido a marcha.
     Sobretudo, não indagueis de direitos prováveis que vos caberiam no
banquete divino, antes de liquidar os compromissos humanos.
     Impossível é o título de anjos, sem serdes, antes, criaturas ponderadas.
     «Soberanas e indefectíveis leis nos presidem aos destinos. Somos
conhecidos e examinados em toda parte.
     «As facilidades concedidas aos espíritos santificados, que admiramos, são
prodigalizadas a nós, por Deus, em todos os lugares. O aproveitamento,
porém, é obra nossa. As máquinas terrestres podem alçar-vos o corpo físico a
consideráveis alturas, mas o voo espiritual, com que vos libertareis da
animalidade, jamais o desferireis sem asas próprias.
     A consolação e a amizade de benfeitores encarnados e desencarnados
enriquecer-vos-ão de conforto, quais suaves e abençoadas flores da alma;
entretanto, fenecerão como as rosas de um dia, se não fertilizardes o coração
com a fé e o entendimento, com a esperança inquebrantável e o amor imortal,
sublimes adubos que lhes propiciem o desenvolvimento no terreno do vosso
esforço sem tréguas.
    “Não cobiceis o repouso das mãos e dos pés; antes de abrigar semelhante
propósito, procurai a paz interior na suprema tranquilidade da consciência.
     «Abandonai a ilusão, antes que a ilusão vos abandone.
    «Empolgando a chefia da própria existência, deixai plantado o bem na
esteira de vossos passos.
     «Somente os servos que trabalham gravam no tempo os marcos da
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evolução; só os que se banham no suor da responsabilidade conseguem
cunhar novas formas de vida e de ideal renovador. Os demais, chamem-se
monarcas ou príncipes, ministros ou legisladores, sacerdotes ou generais,
entregues à ociosidade, classificam-se na ordem dos sugadores da Terra; não
chegam a assinalar sua permanência provisória na Crosta do Planeta; adejam
como insetos multicores, tornando à poeira de que se alçaram por alguns
minutos.
     (Regressando, pois, ao corpo de carne, valei-vos da luz para as edificações
necessárias.
     Participemos do glorioso Espírito do Cristo.
     «Convertamo-nos em claridade redentora.
“O desequilíbrio generalizado e crescente invade os departamentos da mente
humana. Combatem-se, desesperadamente, as nações e as ideologias, os
sistemas e os princípios. Estabelecida a trégua nas lutas internacionais,
surgem deploráveis guerras civis, armando irmãos contra irmãos. A indisciplina
fomenta greves, a ânsia de libertação perturba o domicílio dos povos.
Guerreiam-se as esferas de ação entre si; encarnados e desencarnados de
tendências inferiores colidem feroz-mente, aos milhões. Inúmeros lares
transformam-se em ambientes de inconformação e desarmonia. Duela o
homem consigo mesmo no atual processo acelerado de transição.
     «Equilibrai-vos, pois, na edificação necessária, convictos de que é
impossível confundir a Lei ou trair-lhe os ditames universais!»
     Perorando, Eusébio proferiu bela e sentida prece, invocando as bênçãos
divinas para a assembléia. Sublimes manifestações de luz fizeram-se, então,
sentir sobre nós.
     Encerrados os trabalhos, os companheiros ainda presos ao círculo carnal
começaram a retirar-se em respeitoso silêncio.
     Calderaro conduziu-me à presença do Instrutor e apresentou-me. O alto
dirigente recebeu-me com afabilidade e doçura, cumnulando-me de palavras
de incentivo. Precisávamos servir, explicou ele, encarecendo as necessidades
de assistência espiritual amontoadas em toda a parte, reclamando
cooperadores abnegados e fiéis.
     Quando Calderaro se referiu aos meus projetos, mostrou-me Eusébio
paternal sorriso e, expondo-nos providências diversas a tomar, recomendou
nos pusessemos em contacto com o grupo socorrista a que o Assistente
emprestava ativa colaboração.
     Logo após, ao retirar-se, ladeado pelos assessores que lhe compunham a
comitiva, o nobre mentor confortou-me, bondoso:
     — Sê feliz!
    Dirigindo a Calderaro expressivo olhar, acrescentou:
    — Dado ensejo, conduze-o ao serviço de assistência às cavernas.
    Tomado de curiosidade, agradeci sensibilizado e dispus-me a esperar.
19



                                  3
                            A Casa Mental
     Retomando a companhia de Calderaro, na manhã luminosa, absorvia-me o
propósito de enriquecer noções pertinentes às manifestações da vida próxima
à esfera física.
     Admitido à colônia espiritual, que me recebera com extremado carinho,
conhecia de perto alguns instrutores e fiéis operários do bem.
     Inquestionavelmente, vivíamos todos em intenso trabalho, com escassas
horas reservadas a excursões de entretenimento; demais, fruíamos ambiente
de felicidade e alegria a favorecer-nos a marcha evolutiva. Nossos templos
constituíam, por si sós, abençoados núcleos de conforto e de revigoramento.
Nas associações culturais e artísticas encontrávamos a continuidade da
existência terrestre, enriquecida, porém, de múltiplos elementos educativos, O
campo social regurgitava de oportunidades maravilhosas para a aquisição de
inestimáveis afeições. Os lares, em que situávamos o serviço diuturno,
erguiam-se entre jardins encantadores, quais ninhos tépidos e venturosos em
frondes perfumadas e tranquilas.
     Não nos faltavam determinações e deveres, ordem e disciplina; entretanto,
a serenidade era nosso clima, e a paz, nossa dádiva de cada dia.
     Arremessara-nos a morte a atmosfera estranha à luta física. A primeira
sensação fora o choque. Empolgara-nos o imprevisto. Continuávamos vivendo,
apenas sem a máquina fisiolõgica, mas as novas condições de existência não
significavam subtração da oportunidade de evolver. Os motivos de competição
benéfica, as possibilidades de crescimento espiritual haviam lucrado
infinitamente. Podíamos recorrer aos poderes superiores, entreter relações
edificantes, tecer esperanças e sonhos de amor, projetar experiências mais
elevadas no setor reencarnacionista, aprimorando-nos no trabalho e no estudo
e dilatando a capacidade de servir.
     Em suma, a passagem pelo sepulcro conduzira-nos a uma vida melhor;
mas... e os milhões que transpunham o estreito limiar da morte, permanecendo
apegados à Crosta da Terra.
Incalculáveis multidões desse gênero mantinham-se na fase rudimentar do
conhecimento; apenas possuíam algumas informações primárias da vida;
exoravam amparo dos Espíritos Superiores, como as tribos primitivas
reclamam o concurso dos homens civilizados; precisavam de desenvolver fa-
culdades, como as crianças de crescer; não permaneciam chumbadas à esfera
carnal por maldade, senão que se demoravam, hesitantes, no chão terreno,
como os pequeninos descendentes dos homens se conchegam ao seio
materno; guardavam da existência apenas a lembrança do campo sensitivo,
reclamando a reencarnação quase imediata quando lhes não era possível a
matrícula em nossos educandários de serviço e aprendizado iniciais. Por outro
lado, verdadeiras falanges de criminosos e transviados agitavam-se, não longe
de nós, depois de haverem transposto as fronteiras do túmulo; consumiam, por
vezes, inúmeros anos entre a revolta e a desesperação, personificando
hórridos gênios da sombra, como ocorre, nos círculos terrenos, com os
delinqüentes contumazes, segregados da sociedade sadia; mas sempre
terminavam a corrida louca nos desvios escuros do remorso e do sofrimento,
penitenciando-se, por fim, de suas perversidades. O arrependimento é, porém,
caminho para a regeneração e nunca passaporte direto para o céu, razão pela
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qual esses infelizes formavam quadros vivos de padecimento e de horror.
     Em várias experiências, via-os conturbados e aflitos, assumindo formas
desagradáveis ao olhar.
     Nos casos de obsessão convertiam-se em recíprocos algozes, ou, então,
em verdugos frios das vítimas encarnadas; quando errantes ou circunscritos
aos vales de punição, aterravam sempre pelos espetáculos de dor e de miséria
sem limites.
     No entanto, era forçoso convir, eles, os desventurados, e nós outros, que
continuávamos trabalhando em ritmo normal, atravessáramos portas idênticas.
Talvez, em muitos casos, houvéssemos abandonado o invólucro material sob o
assédio de doenças análogas. Isto considerando, e por desejar conhecer a
Divina Lei, que não concede paraísos de favor, nem estabelece infernos
eternais, confrangia-me o contemplar as imensas fileiras de infortunados.
     Efetivamente, identificara numerosos deles em câmaras retificadoras,
através de múltiplas instituições de beneficência; todavia, esses, situados na
zona de amparo fraterno, apresentavam a seu favor sintomas de melhora
quanto ao reconhecimento das próprias falhas ou aos créditos espirituais de
que gozavam, mercê de certas forças intercessoras.
     Os infelizes, a que aludimos, provinham, porém, de outras origens. Eram
os ignorantes, os revoltados, os perturbadores e os impenitentes, de alma
impermeável às advertências edificantes, os enfatuados e os vaidosos dos
mais vários matizes, perseverantes no mal, dissipadores da energia anímica,
em atitudes perversas diante da vida.
     Meu contacto com eles, em diversas ocasiões, fora simples encontro
fortuito, sem maior significação para meu esclarecimento.
    Por que motivo se demoravam tanto no hemisfério obscuro da
incompreensão? adiavam, deliberadamente, a recepção da luz? não lhes
doeria a condição de seres condenados, por si mesmos, a longas penas? não
experimentariam vergonha pela perda voluntária de tempo? Muita vez,
surpreendia-me a contemplá-los... Os traços fisionômicos de muitos desses
desventurados pareciam monstruoso desenho, provocando ironia e piedade.
Que lei regeria a estereotipação de suas formas? Tê-los-ia olvidado a mãe-
natureza, pródiga de bênçãos em todos os planos, ou recebiam eles esses
traços de apresentação pessoal como castigo imposto por superiores
desígnios?
    Tais interrogações que me esfervilhavam no cérebro me punham aflito por
viver a possibilidade que se me oferecia.
    Aproximei-me de Calderaro, naquela manhã, sedento de saber. Expus-lhe
minhas indagações íntimas, relatei-lhe aos ouvidos tolerantes minha
expectativa ansiosa, longamente sofreada; pretendia conhecer os que se
entretinham na maldade, no crime, na inconformação.
    Meu amigo escutou calmo, sorriu benévola-mente e começou por
esclarecer:
    — Antes de mais nada, André, modifiquemos o conceito. Para transformar-
nos em legítimos elementos de auxílio aos Espíritos sofredores, desen-
carnados ou não, é-nos imprescindível compreender a perversidade como
loucura, a revolta como ignorância e o desespero como enfermidade.
    Ante a minha perplexidade, acrescentou, fraternal:
    - Entendeste? Estas definições, em verdade, não são minhas. Aprendemo-
las do Cristo, em seu trato divino com a nossa posição de inferioridade, na
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Crosta Terrestre.
        Julguei que o Instrutor se estendesse em longa exposição verbalista,
relativa ao assunto, trazendo referênéias preciosas e comentando experiências
pessoais. Nada disto; Calderaro informou-me simplesmente:
     — A cegueira do espírito é fruto da espessa ignorância em manifestações
primárias ou do obnubilamento da razão nos estados de aviltamento do ser.
Nosso interesse, no socorro à mente desequilibrada, é analisar este último
aspecto da sombra que pesa sobre as almas; assim sendo, faz-se mister
saberes alguma coisa da loucura no âmbito da civilização. Para isto, convém
estudarmos, mais detidamente, o cérebro do homem encarnado e o do homem
desencarnado em posição desarmônica, por situarmos aí o órgão de
manifestação da atividade espiritual.
     Desejaria continuar ouvindo-o nas explicações claras e convincentes, a lhe
fluírem dos lábios, mas Calderaro silenciou para afirmar, passados alguns
instantes:
     — Não disponho de muito tempo para discretear de matéria estranha aos
meus serviços; todavia, lidaremos juntos, convictos de que, trabalhando nas
boas obras, aprenderemos sempre a ciência da elevação.
     Sorriu, fraternal, e rematou:
     — O verbo gasto em serviços do bem é cimento divino para realizações
imorredouras. Conversaremos, pois, servindo aos nossos semelhantes de
modo substancial, e nosso lucro será crescente.
     Calei-me, edificado.
     Daí a minutos, acompanhando-o, penetrei vasto hospital, detendo-nos
diante do leito de certo enfermo, que o Assistente deveria socorrer. Abatido e
pálido, mantinha-se ele unido a deplorável entidade de nosso plano, em
míseras condições de inferioridade e de sofrimento. O doente, embora quase
imóvel, acusava forte tensão de nervos, sem perceber, com os olhos físicos, a
presença do companheiro de sinistro aspecto. Pareciam visceralmente jungidos
um ao outro, tal a abundância de fios tenuíssimos que mutuamente os
entrelaçavam, desde o tórax à cabeça, pelo que se me afiguravam dois
prisioneiros de uma rede fluídica. Pensamentos de um deles com certeza
viveriam no cérebro do outro. Comoções e sentimentos seriam permutados
entre ambos com matemática precisão. Espiritualmente, estariam, de contínuo,
perfeitamente identificados entre si. Observava-lhes, admirado, o fluxo de
comuns vibrações mentais.
     Dispunha-me a comentar o fenômeno, quando Calderaro, percebendo-me
a intenção, se adiantou, recomendando:
     — Examina o cérebro de nosso irmão encarnado.
     Concentrei-me na contemplação do delicado aparelho, centralizando toda a
minha capacidade visual, de modo a analisá-lo interiormente.
     O envoltório craniano, ante meus poderes visuais intensificados, não
apresentava resistência. Como reparara de outras vezes, ali estava o com-
plicado departamento da produção mental, semelhando-se a laboratório dos
mais complexos e menos acessíveis. As circunvoluções separadas entre si,
reunidas em lobos, igualmente distanciados uns dos outros pelas cissuras,
davam-me a idéia de um aparelho elétrico, quase indevassado pelos homens.
Comparando os dois hemisférios, recordei as designações da terminologia
clássica, e demorei-me longos minutos reparando as especiais disposições dos
nervos e as características da substância cinzenta.
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     A voz do meu orientador quebrou o silêncio, exclamando inopinadamente:
     — Observa a sinalização.
Assombrado, notei, pela primeira vez, que as irradiações emitidas pelo cérebro
continham diferenças essenciais. Cada centro motor assinalava-se com
peculiaridades diversas, através das forças radiantes. Descobri, surpreso, que
toda a província cerebral, pelos sinais luminosos, se dividia em três regiões
distintas. Nos lobos frontais, as zonas de associação eram quase brilhantes.
Do córtex motor, até a extremidade da medula espinhal, a claridade diminuía,
para tomar-se ainda mais fraca nos gânglios basais.
     Já despendia alguns minutos na contemplação das células nervosas,
quando o Assistente me aconselhou:
     — Examinaste o cérebro do companheiro que ainda se prende ao veículo
denso; observa, agora, o mesmo órgão no amigo desencarnado que o
influencia de modo direto.
     A entidade, que não se dava conta de nossa presença, em virtude do
círculo de vibrações grosseiras em que se mantinha, fixava toda a atenção no
doente, lembrando a sagacidade de um felino vigiando a presa.
     Observei-lhe estranha ferida na região torácica, e dispunha-me a
investigar-lhe a causa, sondando os pulmões, quando Calderaro me corrigiu
sem afetação:
     — Trataremos da chaga no trabalho de assistência. Concentra as
possibilidades da visão no cérebro.
     Decorridos alguns momentos, concluí que, àparte a configuração das
peças e o ritmo vibratório, tinha sob os olhos dois cérebros quase idênticos.
Diferia o campo mental do desencarnado, revelando alguma superioridade no
terreno da substância, que, no corpo perispiritual, era mais leve e menos obs-
cura. Tive a impressão de que, se lavássemos, por dentro, o cérebro do amigo
estirado no leito, escoimando-o de certos corpúsculos mais pesados, seria ele
quase igual, em essência, ao da entidade que eu mantinha sob exame. As
divisões luminosas, porém, eram em tudo análogas. Mais luz nos lobos
frontais, menos luz no córtex motor e quase nenhuma na medula espinhal,
onde as irradiações se faziam difusas e opacas.
     Interrompi o estudo comparativo, depois de acurada perquirição, e fixei
Calderaro em silenciosa interrogativa.
     O prestimoso mentor argumentou, sorridente:
     — Depois da morte física, o que há de mais surpreendente para nós é o
reencontro da vida. Aqui aprendemos que o organismo perispirítico que nos
condiciona em matéria mais leve e mais plástica, após o sepulcro, é fruto
igualmente do processo evolutivo. Não somos criações milagrosas, destinadas
ao adorno de um paraíso de papelão. Somos filhos de Deus e herdeiros dos
séculos, conquistando valores, de experiência em experiência, de milênio a
milênio. Não há favoritismo no Templo Universal do Eterno, e todas as forças
da Criação aperfeiçoam-se no Infinito. A crisálida de consciência, que reside no
cristal a rolar na corrente do rio, aí se acha em processo liberatório; as árvores
que por vezes se aprumam centenas de anos, a suportar os golpes do Inverno
e acalentadas pelas carícias da Primavera, estão conquistando a memória; a
fêmea do tigre, lambendo os filhinhos recém-natos, aprende rudimentos do
amor; o símio, guinchando, organiza a faculdade da palavra. Em verdade, Deus
criou o mundo, mas nós nos conservamos ainda longe da obra completa. Os
seres que habitam o Universo ressumbrarão suor por muito tempo, a aprimorá-
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lo. Assim também a individualidade. Somos criação do Autor Divino, e devemos
aperfeiçoar-nos integralmente. O Eterno Pai estabeleceu como lei universal
que seja a perfeição obra de cooperativismo entre Ele e nós, os seus filhos.
    O mentor silenciou por instantes, sem que me acudisse ânimo suficiente
para trazer qualquer comentário aos seus elevados conceitos.
     Logo após, indicou-me a medula espinhal e continuou:
     — Creio ociosa qualquer alusão aos trabalhos primordiais do nosso longo
drama de vida evolutiva. Desde a ameba, na tépida água do mar, até o homem,
vimos lutando, aprendendo e selecionando invariàvelmente. Para adquirir
movimento e músculos, faculdades e raciocínios, experimentamos a vida e por
ela fomos experimentados, milhares de anos. As páginas da sabedoria
hinduísta são escritos de ontem, e a Boa-Nova de Jesus-Cristo é matéria de
hoje, comparadas aos milênios vividos por nós, na jornada progressiva.
     Depois de fazer com a destra significativo gesto, prosseguiu:
     — No sistema nervoso, temos o cérebro inicial, repositório dos movimentos
instintivos e sede das atividades subconscientes; figuremo-lo como sendo o
porão da individualidade, onde arquivamos todas as experiências e registramos
os menores fatos da vida. Na região do córtex motor, zona intermediária entre
os lobos frontais e os nervos, temos o cérebro desenvolvido, consubstanciando
as energias motoras de que se serve a nossa mente para as manifestações
imprescindíveis no atual momento evolutivo do nosso modo de ser. Nos planos
dos lobos frontais, silenciosos ainda para a investigação científica do mundo,
jazem materiais de ordem sublime, que conquistaremos gradualmente, no
esforço de ascensão, representando a parte mais nobre de nosso organismo
divino em evolução.
     Os esclarecimentos singelos e admiráveis empolgavam-me. Calderaro era
educador da mais elevada estirpe. Ensinava sem cansar, sabia conduzir o
aprendiz a conhecimentos profundos sem nenhum sacrifício da parte do aluno.
     Apreciava-lhe eu a nobreza, quando prosseguiu, findo breve intervalo:
     — Não podemos dizer que possuímos três cérebros simultâneamente.
Temos apenas um que, porém, se divide em três regiões distintas. Tomemo-lo
como se fora um castelo de três andares: no primeiro situamos a «residência
de nossos impulsos automáticos», simbolizando o sumário vivo dos serviços
realizados; no segundo localizamos o «domicílio das conquistas atuais», onde
se erguem e se consolidam as qualidades nobres que estamos edificando; no
terceiro, temos a «casa das noções superiores», indicando as eminências que
nos cumpre atingir. Num deles moram o hábito e o automatismo; no outro
residem o esforço e a vontade; e no último demoram o ideal e a meta superior
a ser alcançada. Distribuimos, deste modo, nos três andares, o subconsciente,
o consciente e o superconsciente. Como vemos, possuímos, em nós mesmos,
o passado, o presente e o futuro.
     Verificando-se pausa mais longa, dei curso às ponderações íntimas,
segundo antigo vezo de inquirir.
     As preciosas explicações que ouvira não poderiam ser mais simples, nem
mais lógicas. Entretanto, perquiria a mim mesmo: o cérebro de um
desencarnado seria também suscetível de adoecer? Sabia eu que a substância
cinzenta, no mundo carnal, podia ser acometida pelos tumores, pelo amo-
lecimento, pela hemorragia; mas na esfera nova, a que a morte me conduzira,
que fenômenos mórbidos assediariam a mente?
     Calderaro registrou-me as indagações e esclareceu:
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     - Não discutiremos aqui as moléstias físicas prôpriamente ditas. Quem
acompanha, como nós, desde muito tempo, o ministério dos psiquiatras ver-
dadeiramente consagrados ao bem do próximo, conhece, à saciedade, que
todos os títulos de gratidão humana permanecem inexpressivos ante o aposto-
lado de um Paul Broca, que identificou a enfermidade do centro da palavra, ou
de um Wagner Jauregg, que se dedicou à cura da paralisia, em perseguição ao
espiroqueta da sífilis, até encontrá-lo no recesso da matéria cinzenta,
perturbando as zonas motoras. Diante de fenômenos como estes, é
compreensível a quebra da harmonia cerebral em consequência de
compulsôriamente se arredarem das aglutinações celulares do campo fisio-
lógico os princípios do corpo perispiritual; essas aglutinações ficam, então,
desordenadas em sua estrutura e atividades normais, qual acontece ao violino
incapacitado para a execução perfeita dum trecho melódico, por trazer uma ou
duas cordas desafinadas. Não devemos, nem podemos ignorar as leis que
regem os domínios da forma... Daí a impossibilidade de querermos «psicologia
equilibrada» sem «fisiologia harmoniosa», na esfera da ciência humana: isto é
caso pacífico. Referir-nos-emos tão só às manifestações espirituais em sua
essência. Indagas se a mente desencarnada pode adoecer... Que pergunta!
cuidas que a maldade deliberada não seja moléstia da alma? que o ódio não
constitua morbo terrível? supões, porventura, não haja «vermes mentais» da
tristeza e da inconformação?
     Embora tenhamos a felicidade de agir num corpo mais sutil e mais leve,
graças à natureza de nossos pensamentos e aspirações, já distantes das
zonas grosseiras da vida que deixamos, não possuímos ainda o cérebro dos
anjos. Constitui-nos incessante trabalho a conservação de nossa forma atual, a
caminho de conquistas mais alcandoradas; não podemos descansar nos
processos iluminativos; cumpre-nos purificar sempre, selecionar pendores e
joeirar concepções, de molde a não interromper a marcha. Milhões vivem aqui,
na posição em que nos achamos, mas outros milhões permanecem na carne
ou em nossas linhas mais baixas de evolução, sob o guante de atroz
demência. É para esses que devemos cogitar da patologia do espírito,
socorrendo os mais infelizes e interferindo fraternal e indiretamente na solução
de problemas escabrosos em cujos fios negros se enredam. São duendes em
desespero, vítimas de si mesmos, em terrível colheita de espinhos e
desilusões. O corpo perispiritual humano, vaso de nossas manifestações, é,
por ora, a nossa mais alta conquista na Terra, no capítulo das formas. Para as
almas esclarecidas, já iluminadas de redentora luz, representa ele uma ponte
para o campo superior da vida eterna, ainda não atingido por nós mesmos;
para os espíritos vulgares, é a restrição indispensável e justa; para as
consciências culpadas, é cadeia intraduzível, pois, além do mais, registra os
erros cometidos, guardando-os com todas as particularidades vivas dos negros
momentos da queda. O gênero de vida de cada um, no invólucro carnal,
determina a densidade do organismo perispirítico após a perda do corpo
denso.
      Ora, o cérebro é o instrumento que traduz a mente, manancial de nossos
pensamentos. Através dele, pois, unimo-nos àluz ou à treva, ao bem ou ao mal.
     Percebendo à atenção com que lhe seguia os preciosos esclarecimentos,
Calderaro sorriu significativamente e perguntou:
     — Compreendeste?
     Indicando os dois sofredores, ao nosso lado, prosseguiu:
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—Examinamos aqui dois enfermos: um, na carne; outro, fora dela. Ambos
trazem o cérebro intoxicado, sintonizando-se absolutamente um com o outro.
Espiritualmente, rolaram do terceiro andar, onde situamos as concepções
superiores, e, entregando-se ao relaxamento da vontade, deixaram de acolher-
se no segundo andar, sede do esforço próprio, perdendo valiosa oportunidade
de reerguer-se; caíram, destarte, na esfera dos impulsos instintivos, onde se
arquivam todas as experiências da animalidade anterior. Ambos detestam a
vida, odeiam-se reciprocamente, desesperam-se, asilam ideias de tormento, de
aflição, de vingança. Em suma, estão loucos, embora o mundo lhes não vis-
lumbre o supremo desequilíbrio, que se verifica no íntimo da organização
perispiritual.
     Dispunha-me a desfiar longa lista de perguntas alusivas às duas
personagens em foco, mas o interlocutor iniciou o serviço de assistência direta,
e, impondo a destra no lobo frontal esquerdo do doente encarnado, falou-me,
afável:
     — Cala, meu amigo, tuas ansiosas indagações. Acalma-te. No transcurso
de nossos trabalhos explicar-te-ei quanto estiver ao alcance de meus co-
nhecimentos.
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                                 4
                         Estudando o cérebro
    Com a mão fraterna espalmada sobre a fronte do enfermo, como a
transmitir-lhe vigorosos fluidos de vida renovadora, Calderaro esclareceu-me,
bondoso:
    — Há vinte anos, aproximadamente, este amigo pôs fim ao corpo físico do
seu atual verdugo, num doloroso capitulo de sangue. Iniciei o serviço de
assistência a ele, só há três dias; no entanto, já me inteirei da sua comovente
história.
    Dirigiu compassivo olhar ao algoz desencarnado e prosseguiu:
    — Trabalhavam juntos, numa grande cidade, entregues ao comércio de
quinquilharias. O homicida desempenhava funções de empregado da vítima,
desde a infância, e, atingida a maioridade, exigiu do chefe, que passara a tutor,
o pagamento de vários anos de serviço. Negou-se o patrão, terminantemente,
a satisfazê-lo, alegando as fadigas que vivera para assisti-lo na infância e na
juventude. Propiciar-lhe-ia vantajosa posição no campo dos negócios,
conceder-lhe-ia interesses substanciais, mas não lhe pagaria vintém
relativamente ao passado. Até ali, guardara-o à conta de um filho, que lhe
reclamava continua assistência. Estalou a contenda. Palavras rudes, trocadas
entre vibrações de cólera, inflamaram o cérebro do rapaz, que, no auge da ira,
o assassinou, dominado por selvagem fúria. Antes, porém, de fugir do local, o
criminoso correu ao cofre, em que se amontoavam fartos pacotes de papel-
moeda, retirou a importância vultosa a que se supunha com direito, deixando
intacta regular fortuna que despistaria a polícia no dia imediato. Efetivamente,
na manhã seguinte ele próprio veio à casa comercial, onde a vítima pernoitava
enquanto a pequena família fazia longa estação no campo, e, fingindo
preocupação ante as portas cerradas, convidou um guarda a segui-lo, a fim de
violarem ambos uma das fechaduras. Em poucos momentos, espalhava-se a
notícia do crime; no entanto, a justiça humana, emalhada nas habilidades do
delinqüente, não conseguiu esclarecer o problema na origem. O assassino foi
pródigo nos cuidados de salvaguardar os interesses do morto. Mandou selar
cofres e livros. Providenciou arrolamentos laboriosos. Requisitou amparo das
autoridades legais para minucioso exame da situação. Foi verdadeiro
advogado da viúva e dos dois filhinhos do tutor falecido, os quais, mercê de
seu devotamento, receberam substanciosa herança. Pranteou a ocorrência,
como se o desencarnado lhe fôsse pai. Terminada a questão, com a inanidade
do aparelho judiciário diante do enigma, retirou-se, discreto, para grande centro
industrial, onde aplicou os recursos econômicos em atividades lucrativas.
     O mentor estampou diferente brilho no olhar, fêz pequena pausa e
acrescentou:
     — Conseguiu ludibriar os homens, mas não pôde iludir a si mesmo. A
entidade desencarnada, concentrando a mente na ideia de vingança, passou,
perseverante, a segui-lo. Aferrou-se-lhe à organização psíquica, à maneira de
hera sobre muro viscoso. Tudo fêz o homicida para atenuar-lhe o assédio
constante. Desdobrou-se nos empreendimentos materiais, ansiando
esquecimento de si mesmo e pondo em prática iniciativas que lhe fizeram afluir
ao cofre enormes quantias, valorizando-lhe os títulos bancários. Observando,
entretanto, que os altos patrimônios econômicos não lhe arrefeciam a
intranquilidade e o sofrimento inconfessáveis, deu-se pressa em casar, aflito
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por sossegar o próprio intimo. Desposou uma jovem de alma extremamente
elevada à zona superior da vida humana, a qual lhe deu cinco filhinhos
encantadores. No clima espiritual da mulher escolhida, conseguiu de certo
modo equilibrar-se, conquanto a vítima nunca o largasse. Ocasiões houve em
que se engolfava nas mais cruéis depressões nervosas, assaltado por es-
tranhos pesadelos aos olhos dos familiares; mas sempre resistia, amparado,
até certo ponto, pelas afeições de que a esposa, desde muito, dispõe em
nossos planos. Se as leis humanas, todavia, correspondem à falibilidade dos
homens encarnados, as leis divinas jamais falecem. Conservando as forças
tenebrosas acumuladas em seu destino, desde a noite do assassínio, nosso
desventurado amigo manteve enclausuradas, no porão da personalidade, todas
as impressões destruidoras recolhidas no instante da queda. Repugnava-lhe
uma confissão pública do crime, a qual, de certo modo, lhe mitigaria a angústia,
libertando energias nefastas, que arquivara.
     A essa altura da narrativa, Calderaro interrompeu-si.
     Tocou a zona do córtex e prosseguiu:
     — A mente criminosa, assediada pela presença invariável da vítima, a
perturbar-lhe a memória. passou a fixar-se na região intermediária do cérebro,
porque a dor do remorso não lhe permitia fácil acesso à esfera superior do
organismo perispirítico, onde os princípios mais nobres do ser erguem o
santuário de manifestações da Consciência Divina. Aterrorizado pelas
recordações, transia-o irreprimível pavor em face dos juízos conscienciais. Por
outra parte, cada vez mais interessado em assegurar a felicidade da família,
seu único oásis no deserto escaldante das escabrosas reminiscências, o infeliz,
então respeitado por força da posição social que o dinheiro lhe conferia,
embrenhou-se em atividade febril e ininterrupta. Vivendo mentalmente na
região intermediária do cérebro, em caráter quase exclusivo, só sentia alguma
calma agindo e trabalhando, de qualquer maneira, mesmo desordenadamente.
Intentava a fuga através de todos os meios ao seu alcance. Deitava-se,
extenuado pela fadiga do corpo, levantando-se, no dia seguinte, abatido e
cansado de inútilmente duelar com o perseguidor invisível, nas horas de sono.
Em consequência, provocou o desequilíbrio da organização perispirituai, o que
se refletiu na zona motora, implantando o caos orgânico.
     Fez característico movimento com o indicador e acentuou:
     — Repara os centros corticais.
     Contemplei, admirado, aquele maravilhoso mundo microscópico. As células
piramidais, distinguindo-se pelo tamanho, diziam da importância das funções
que lhes impendiam no laboratório das energias nervosas. Observando
atentamente o quadro, não me parecia que estivesse a examinar o tecido vivo
da substância branco-cinzenta: tive a impressão de que o córtex fôsse um
robusto dínamo em funcionamento. Não estaríamos diante dalgum aparelho
elétrico de complicada estrutura? Mau grado essas impressões, reparei que a
matéria cerebral ameaçava amolecimento.
     Continuava perplexo, sem saber como formular os comentários cabíveis,
quando o Assistente me veio em socorro, esclarecendo:
     — Estamos diante do órgão perispiritual do ser humano, adeso à duplicata
física, da mesma forma que algumas partes do corpo carnal têm estreito
contacto com o indumento. Todo o campo nervoso da criatura constitui a
representação das potências perispiríticas, vagarosamente conquistadas pelo
ser, através de milênios e milênios. Em renascendo entre as formas perecíveis,
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nosso corpo sutil, que se caracteriza, em nossa esfera menos densa, por ex-
trema leveza e extraordinária plasticidade, submete-se, no plano da Crosta, às
leis de recapitulação, hereditariedade e desenvolvimento fisiológico, em
conformidade com o mérito ou demérito que trazemos e com a missão ou o
aprendizado necessários. O cérebro real é aparelho dos mais complexos. em
que o nosso «eu» reflete a vida. Através dele, sentimos os fenômenos
exteriores segundo a nossa capacidade receptiva, que é determinada pela
experiência; por isto, varia ele de criatura a criatura, em virtude da
multiplicidade das posições na escala evolutiva. Nem os símios ou os
antropóides, a caminho da ligação com o gênero humano, apresentam
cérebros absolutamente iguais entre si. Cada individualidade revela-o
consoante o progresso efetivo realizado. O selvagem apresenta um cérebro
perispiritual com vibrações muito diversas das do órgão do pensamento no
homem civilizado. Sob este ponto de vista, o encéfalo de um santo emite ondas
que se distinguem das que despede a fonte mental de um cientista. A escola
acadêmica, na Crosta Planetária, prende-se à conceituação da forma tangível,
em trânsito para as transformações da enfermidade, da velhice ou da morte.
Aqui, porém, examinamos o organismo que modela as manifestações do
campo físico, e reconhecemos que todo o aparelhamento nervoso é de ordem
sublime. A célula nervosa é entidade de natureza elétrica, que diariamente se
nutre de combustível adequado. Há neurônios sensitivos, motores,
intermediários e reflexos. Existem os que recebem as sensações exteriores e
os que recolhem as impressões da consciência. Em todo o cosmo celular
agitam-se interruptores e condutores, elementos de emissão e de recepção. A
mente é a orientadora desse universo microscópico, em que bilhões de
corpúsculos e energias multiformes se consagram a seu serviço. Dela emanam
as correntes da vontade, determinando vasta rede de estímulos, reagindo ante
as exigências da paisagem externa, ou atendendo às sugestões das zonas in-
teriores. Colocada entre o objetivo e o subjetivo, é obrigada pela Divina Lei a
aprender, verificar, escolher, repelir, aceitar, recolher, guardar, enriquecer-se,
iluminar-se, progredir sempre. Do plano objetivo, recebe-lhe os atritos e as
influências da luta direta; da esfera subjetiva, absorve-lhe a inspiração, mais ou
menos intensa, das inteligências desencarnadas ou encarnadas que lhe são
afins, e os resultados das criações mentais que lhe são peculiares. Ainda que
permaneça aparentemente estacionária, a mente prossegue seu caminho, sem
recuos, sob a indefectível atuação das forças visíveis ou das invisíveis.
     Verificando-se pausa natural nas elucidações, ocorreram-me inúmeras e
ininterruptas associações de ideias.
     Como interpretar todas as revelações de Calderaro? As células do acervo
fisiológico não se revestiam de característicos próprios? Não eram
personalidades infinitesimais, aglomeradas sob disciplina nos departamentos
orgânicos, mas quase livres em suas manifestações? seriam, acaso, duplicatas
de células espirituais? como conciliar tal teoria com a liberação dos micro-
organismos, em seguida à morte do corpo? E, se assim fora, não devera a
memória do homem encarnado, eximir-se do transitório esquecimento do
passado?
     O instrutor percebeu minhas perquirições inarticuladas, porque prosseguiu,
sereno, como a responder-me:
—       Conheço-te as objeções e também as formulei noutro tempo, quando a
novidade me feria a observação. Posso, contudo, dizer-te hoje, que, se existe a
29


química fisiológica, temos também a química espiritual, como possuímos a
orgânica e a inorgânica, existindo extrema dificuldade em definir-lhes os pontos
de ação independente. Quase impossível é determinar-lhes a fronteira
divisória, porqüanto o espírito mais sábio não se animaria a localizar, com
afirmações dogmáticas, o ponto onde termina a matéria e começa o espírito.
No corpo físico, diferençam-se as células de maneira surpreendente.
Apresentam determinada personalidade no fígado, outra nos rins e ainda outra
no sangue. Modificam-se infinitamente, surgem e desaparecem, aos milhares,
em todos os domínios da química orgânica, prôpriamente dita. No cérebro,
porém, inicia-se o império da química espiritual. Os elementos celulares, aí,
são dificilmente substituíveis. A paisagem delicada e superior é sempre a
mesma, porque o trabalho da alma requer fixação, aproveitamento e
continuidade. O estômago pode ser um alambique, em que o mundo
infinitésimo se revele, em tumultuária animalidade, aproximando-se dos
quadros inferiores da vida, porqüanto o estômago não necessita recordar,
compulsoriamente, que substância alimentícia lhe foi dada a elaborar na vés-
pera, O órgão de expressão mental, contudo, reclama personalidades químicas
de tipo sublimado, por alimentar-se de experiências que devem ser registradas,
arquivadas e lembradas sempre que oportuno ou necessário. Intervém, então,
a química superior, dotando o cérebro de material insubstituível em muitos
departamentos de seu laboratório íntimo.
     Interrompeu-se o Assistente por alguns segundos, como a dar-me tempo
para refletir.
     Em seguida, continuou, atencioso:
     — Na verdade, não há nisso mistério algum. Voltemos aos ascendentes
em evolução, O princípio espiritual acolheu-se no seio tépido das águas, atra-
vés dos organismos celulares, que se mantinham e se multiplicavam por
cissiparidade. Em milhares de anos, fêz longa viagem na esponja, passando a
dominar células autônomas, impondo-lhes o espírito de obediência e de
coletividade, na organização primordial dos músculos. Experimentou longo
tempo, antes de ensaiar os alicerces do aparelho nervoso, na medusa, no
verme, no batráquio, arrastando-se para emergir do fundo escuro e lodoso das
águas, de modo a encetar as experiências primeiras, ao sol meridiano.
Quantos séculos consumiu, revestindo formas monstruosas, aprimorando-se,
aqui e ali, ajudado pela interferência indireta das Inteligências superiores?
Impossível responder, por enquanto. Sugou o seio farto da Terra, evolu-
cionando sem parar, através de milênios, até conquistar a região mais alta,
onde conseguiu elaborar o próprio alimento.
     Calderaro fixou em mim significativo olhar e perguntou:
     — Compreendeste suficientemente?
     Ante o assombro das ideias novas que me fustigavam a imaginação,
impedindo-me o minucioso exame do assunto, o esclarecido companheiro sor-
riu e continuou:
—       Por mais esforços que envidemos por simplificar a exposição deste
delicado tema, o retrospecto que a respeito fazemos sempre causa
perplexidade. Quero dizer, André, que o princípio espiritual, desde o obscuro
momento da criação, caminha sem detença para frente. Afastou-se do leito
oceânico, atingiu a superfície das águas protetoras, moveu-se em direção à
lama das margens, debateu-se no charco, chegou à terra firme, experimentou
na floresta copioso material de formas representativas, ergueu-se do solo,
30


contemplou os céus e, depois de longos milênios, durante os quais aprendeu a
procriar, alimentar-se, escolher, lembrar e sentir, conquistou a inteligência...
Viajou do simples impulso para a irritabilidade, da irritabilidade para a sen-
sação, da sensação para o instinto, do instinto para a razão. Nessa penosa
romagem, inúmeros milênios decorreram sobre nós. Estamos, em todas as
épocas, abandonando esferas inferiores, a fim de escalar as superiores. O
cérebro é o órgão sagrado de manifestação da mente, em trânsito da anima-
lidade primitiva para a espiritualidade humana.
     O orientador, interrompendo-se, acariciou-me de leve, como companheiro
experimentado no estudo estimulando aprendiz humilde, e acrescentou:
     — Em síntese, o homem das últimas dezenas de séculos representa a
humanidade vitoriosa, emergindo da bestialidade primária. Desta condição par-
ticipamos nós, os desencarnados, em número de muitos milhões de espíritos
ainda pesados, por não havermos, até o momento, alijado todo o conteúdo de
qualidades inferiores de nossa organização perispiritual; tal circunstância nos
compele a viver, após a morte física, em formações afins, em sociedades
realmente avançadas, mas semelhantes aos agrupamentos terrestres.
Oscilamos entre a liberação e a reencarnação, aperfeiçoando-nos, burilando-
nos, progredindo, até conseguir, pelo refinamento próprio, o acesso a
expressões sublimes da Vida Superior, que ainda não nos é dado
compreender. Nos dois lados da existência, em que nos movimentamos e
dentro dos quais se encontram o nascimento e a morte do corpo denso, como
portas de comunicação, o trabalho construtivo é a nossa bênção, aparelhando-
nos para o futuro divino. A atividade, na esfera que ora ocupamos, é, para
quantos se conservam quites com a Lei, mais rica de beleza e de felicidade,
pois a matéria é mais rarefeita e mais obediente às nossas solicitações de
índole superior. Atravessado, contudo, o rio do renascimento, somos
surpreendidos pelo duro trabalho de recapitulação para a necessária
aprendizagem. Por lá semearemos, para colher aqui, aprimorando, reajustando
e embelezando, até atingir a messe perfeita, o celeiro farto de grãos sublimes,
de modo a nos transferirmos, aptos e vitoriosos, para outras «terras do céu».
Não devemos acreditar, porém, quanto aos serviços de resgate e de expiação,
que a esfera carnal seja a única capaz de oferecer o bendito ensejo de
sofrimento áspero, redentor. Em regiões sombrias, fora dela, quais não podes
ignorar, há oportunidade de tratamento expiatório para os devedores mais
infelizes, que voluntàriamente contraíram perigosos débitos para com a Lei.
     Verificou-se breve pausa, que não interrompi, considerando a
inconveniência de qualquer indagação de minha parte.
     Calderado, todavia, continuou, solícito:
     — Perguntas por que motivo não conserva o homem encarnado a
plenitude das recordações do longuíssimo pretérito; isto é natural, em virtude
da tão grande ascendência do corpo perispiritual sobre o mecanismo
fisiológico. Se a forma física evoluiu e se aperfeiçoou, o mesmo terá acontecido
ao organismo perispirítico, através das idades. Nós mesmos, em nossa relativa
condição de espiritualidade, ainda não possuímos o processo de reminiscência
integral dos caminhos perlustrados. Não estamos, por enquanto, munidos de
suficiente luz para descer com proveito a todos os ângulos do abismo das
origens; tal faculdade, só mais tarde a adquiriremos, quando nossa alma
estiver escolmada de todo e qualquer resquício de sombra. Comparando,
entretanto, a nossa situação com o estado menos lúcido de nossos irmãos
31


encarnados, importa não nos esqueça que os nervos, o córtex motor e os lobos
frontais, que ora examinamos, constituem apenas regulares pontos de contacto
entre a organização perispiritual e o aparelho físico, indispensáveis, uma e
outro, ao trabalho de enriquecimento e de crescimento do ser eterno. Em
linguagem mais simples, são respiradouros dos impulsos, experiências e
noções elevadas da personalidade real que não se extingue no túmulo, e que
não suportariam a carga de uma dupla vida. Em razão disto, e atendendo aos
deveres impostos à consciência de vigília para os serviços de cada dia,
desempenham        função    amortecedora:     são    quebra-luzes,    atuando
benêficamente para que a alma encarnada trabalhe e evolva. Além disto, nasci-
mento e morte, na esfera carnal, para a generalidade das criaturas são
choques biológicos, imprescindíveis à renovação. Em verdade, não há total
esquecimento na Crosta Terrestre, nem restauração imediata da memória nas
províncias de existência, que se seguem, naturais, ao campo da atividade
física. Todos os homens conservam tendências e faculdades, que quase
equivalem a efetiva lembrança do passado; e nem todos, ao atravessarem o
sepulcro, podem readquirir, repentinamente, o patrimônio de suas
reminiscências. Quem demasiado se materialize, demorando-se em baixo
padrão vibratório, no campo de matéria densa, não pode reacender, de pronto,
a luz da memória. Despenderá tempo a desfazer-se dos pesados envoltórios a
que inadvertidamente se prendeu. Dentro da luta humana, também, é
indispensável que os neurônios se façam de luvas, mais ou menos espessas, a
fim de que o fluxo das recordações não modere o esforço edificante da alma
encarnada, empenhada em nobres objetivos de evolução ou resgate, aprimora-
mento ou ministério sublime. Importa reconhecer, porém, que a nossa mente
aqui age no organismo perispirítico, com poderes muito mais extensos, mercê
da singular natureza e elasticidade da matéria que presentemente nos define a
forma. Isto, contudo, em nossos círculos de ação, não nos evita as
manifestações grosseiras, as quedas lastimáveis, as doenças complexas,
porque a mente, o senhor do corpo, mesmo aqui, é acessível ao vício, ao re-
laxamento e às paixões arruinantes.
     Nessa altura das elucidações, arrisquei uma pergunta, no intervalo que se
fêz, espontâneo:
     — Como interpretar, de maneira simples, as três regiões de vida cerebral a
que nos referimos?
     O companheiro não se fêz rogado e redarguiu:
     — Nervos, zona motora e lobos frontais, no corpo carnal, traduzindo
impulsividade, experiência e noções superiores da alma, constituem campos de
fixação da mente encarnada ou desencarnada. A demora excessiva num
desses planos, com as ações que lhe são consequentes, determina a des-
tinação do cosmo individual. A criatura estacionária na região dos impulsos
perde-se num labirinto de causas e efeitos, desperdiçando tempo e energia;
quem se entrega, de modo absoluto, ao esforço maquinal, sem consulta ao
passado e sem organização de bases para o futuro, mecaniza a existência,
destituindo-a de luz edificante; os que se refugiam exclusivamente no templo
das noções superiores sofrem o perigo da contemplação sem as obras, da
meditação sem trabalho, da renúncia sem proveito. Para que nossa mente
prossiga na direção do alto, é indispensável se equilibre, valendo-se das
conquistas passadas, para orientar os serviços presentes, e amparando-se, ao
mesmo tempo, na esperança que flui, cristalina e bela, da fonte superior de
32


idealismo elevado; através dessa fonte ela pode captar do plano divino as
energias restauradoras, assim construindo o futuro santificante. E, como nos
encontramos indissoluvelmente ligados aos que se afinam conosco, em
obediência a indefectíveis desígnios universais, quando nos desequilibramos,
pelo excesso de fixação mental, num dos mencionados setores, entramos em
contacto com as inteligências encarnadas ou desencarnadas em condições
análogas às nossas.
     O instrutor, com ar fraternal, indagou:
     — Entendeste?
     Respondi afirmativamente, possuído de sincera alegria porque, afinal,
assimilara a lição.
     Calderaro fez aplicações magnéticas sobre o crânio do enfermo,
envolvendo-o em fluidos benéficos, e disse-me, após longa pausa:
     — Temos aqui dois amigos de mente fixada na região dos instintos
primários. O encarnado, depois de reiteradas vibrações no campo de pensa-
mento, em fuga da recordação e do remorso, arruinou os centros motores,
desorganizando também o sistema endócrino e perturbando os órgãos vitais. O
desencarnado converteu todas as energias em alimento da ideia de vingança,
acolhendo-se ao ódio em que se mantém foragido da razão e do altruísmo.
Outra seria a situação de ambos se houvessem esquecido a queda,
reerguendo-se pelo trabalho construtivo e pelo entendimento fraternal, no
santuário do perdão legitimo.
     O Assistente deixou perceber novo brilho nos olhos percucientes e
acrescentou:
     — Segundo       verificamos,     Jesus-Cristo tinha    sobradas      razões
recomendando-nos o amor aos inimigos e a oração pelos que nos perseguem
e caluniam. Não é isto mera virtude, senão princípio científico de libertação do
ser, de progresso da alma, de amplitude espiritual: no pensamento residem as
causas. Ëpoca virá, em que o amor, a fraternidade e a compreensão, definindo
estados do espírito, serão tão importantes para a mente encarnada quanto o
pão, a água, o remédio; é questão de tempo. Lícito é esperar sempre o bem,
com o otimismo divino. A mente humana, de maneira geral, ascende para o
conhecimento superior, apesar de, por vezes, parecer o contrário.
Em seguida, permaneceu Calderaro longos minutos em vigorosas irradiações
magnéticas, que, envolvendo a cabeça e a espinha dorsal do enfermo, se me
afiguraram fortemente repousantes, porque em breve o doente, antes
torturado, se abandonava a sono tranquilo, como se sorvera suavissimo
anestésico. Dentro em pouco encontrava-se em nosso círculo,
temporàriamente afastado do veículo denso, tomado de pavor perante o
verdugo implacável, que se mantinha sentado, impassível, num dos ângulos do
leito.
     Verifiquei que o enfermo não nos notava a presença, qual acontecia com o
algoz em muda expectativa.
     Contava como certo que o Assistente os cumulasse de longas
doutrinações; Calderaro, porem, guardou absoluto silêncio.
     Não me contive: interroguei-o. Porque os não socorrer com palavras de
esclarecimento? O doente parecia-me aflito, enquanto o perseguidor se erguia,
agora, mais agressivo. Porque não sustar o braço cruel que ameaçava um
infeliz? Não seria justo impedir o atrito, que acarretaria consequências im-
previsíveis ao companheiro hospitalizado?
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Entre Dois Planos

  • 1. 1 NO MUNDO MAIOR FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER DITADO PELO ESPÍRITO ANDRÉ LUIZ (5)
  • 2. 2 Série André Luiz 1 - Nosso Lar 2 - Os Mensageiros 3 - Missionários da Luz 4 - Obreiros da Vida Eterna 5 - No Mundo Maior 6 - Agenda Cristã 7 - Libertação 8 - Entre a Terra e o Céu 9 - Nos Domínios da Mediunidade 10 - Ação e Reação 11 - Evolução em Dois Mundos 12 - Mecanismos da Mediunidade 13 - Conduta Espírita 14 - Sexo e Destino 15 - Desobsessão 16 - E a Vida Continua...
  • 3. 3 ÍNDICE Na jornada evolutiva CAPÍTULO 1 = Entre dois planos CAPÍTULO 2 = A preleção de Eusébio CAPÍTULO 3 = A Casa Mental CAPÍTULO 4 = Estudando o cérebro CAPÍTULO 5 = O poder do amor CAPÍTULO 6 = Amparo fraternal CAPÍTULO 7 = Processo redentor CAPÍTULO 8 = No Santuário da Alma CAPÍTULO 9 = Mediunidade CAPÍTULO 10 = Dolorosa perda CAPÍTULO 11 = Sexo CAPÍTULO 12 = Estranha enfermidade CAPÍTULO 13 = Psicose afetiva CAPÍTULO 14 = Medida salvadora CAPÍTULO 15 = Apelo cristão CAPÍTULO 16 = Alienados mentais CAPÍTULO 17 = No limiar das cavernas CAPÍTULO 18 = Velha afeição CAPÍTULO 19 = Reaproximação CAPÍTULO 20 = No lar de Cipriana
  • 4. 4 Na jornada evolutiva Dos quatro cantos da Terra diariamente partem viajores humanos, aos milhares, demandando o país da Morte. Vão-se de ilustres centros da cultura européia, de tumultuárias cidades americanas, de velhos círculos asiáticos, de ásperos climas africanos. Procedem das metrópoles, das vilas, dos campos ... Raros viveram nos montes da sublimação, vinculados aos deveres nobilitantes. A maioria constitui-se de menores de espírito, em luta pela outorga de títulos que lhes exaltem a personalidade. Não chegaram a ser homens completos. Atravessaram o “mare magnum” da humanidade em contínua experimentação. Muita vez, acomodaram-se com os vícios de toda a sorte, demorando voluntariamente nos trilhos da insensatez. Apesar disso, porém, quase sempre se atribuíam a indébita condição de “eleitos da Providência”; e, cristalizados em tal suposição, aplicavam a justiça ao próximo, sem se com penetrarem das próprias faltas, esperando um paraíso de graças para si e um inferno de intérmino tormento para os outros. Quando perdidos nos intrincados meandros do materialismo cego, fiavam, sem justificativa, que no túmulo se lhes encerraria a memória; e, se filiados a escolas religiosas, raros excetuados, contavam, levianos e inconseqüentes, com privilégios que jamais nada fizeram por merecer. Onde albergar a estranha e infinita caravana? como designar a mesma estação de destino a viajantes de cultura, posição e bagagem tão diversas? Perante a Suprema Justiça, o malgache e o inglês fruem dos mesmos direitos. Provavelmente, porém, estarão distanciados entre si, pela conduta Individual, diante da Lei Divina, que distingue, invariavelmente, a virtude e o crime, o trabalho e a ociosidade, a verdade e a simulação, a boa vontade e a indiferença. Da contínua peregrinação do sepulcro, participam, todavia, santos e malfeitores, homens diligentes e homens preguiçosos. Como avaliar por bitola única recipientes heterogêneos? Considerando, porém, nossa origem comum, não somos todos filhos do mesmo Pai? E por que motivo fulminar com inapelável condenação os delinqüentes, se o dicionário divino inscreve a letras de logo as palavras “regeneração”, “amor” e “misericórdia”? Determinaria o Senhor o cultivo compulsório da esperança entre as criaturas, ao passo que Ele mesmo, de Sua parte, desesperaria? Glorificaria a boa vontade, entre os homens, e conservar-se-ia no cárcere escuro da negação? O selvagem que haja eliminado os semelhantes, a flechadas, teria recebido no mundo as mesmas oportunidades de aprender que felicitam o europeu supercivilizado, que extermina o próximo à metralhadora? estariam ambos preparados ao ingresso definitivo no paraíso de bem- aventurança infindável tão sÔmente pelo batismo simbólico ou graças a tardio arrependimento no leito de morte? A lógica e o bom-senso nem sempre se compadecem com argumentos teológicos imutáveis. A vida nunca interrompe atividades naturais, por im- posição de dogmas estatuídos de artifício. E, se mera obra de arte humana, cujo termo é a bolorenta placidez dos museus, exige a paciência de anos para ser empreendida e realizada, que dizer da obra sublime do aperfeiçoamento da alma, destinada a glórias imarcescíveis? Vários companheiros de ideal estranham a cooperação de André Luiz, que nos tece informações sobre alguns setores das esferas mais próximas ao comum dos mortais.
  • 5. 5 Iludidos na teoria do menor esforço, inexistente nos círculos elevados, contavam com preeminência pessoal, sem nenhum testemunho de serviço e distantes do trabalho digno, em um céu de gozos contemplativos, exuberante de conforto melifico. Prefeririam a despreocupação das galerias, em beatitude permanente, onde a grandeza divina se limitaria a prodigioso. espetáculos, cujos números mais surpreendentes estariam a cargo dos Espíritos Superiores, convertidos em jograis de vestidura brilhante. A missão de André Luiz é, porém, a de revelar os tesouros de que somos herdeiros felizes na Eternidade, riquezas imperecíveis; em cuja posse jamais entraremos sem a Indispensável aquisição de Sabedoria e de Amor. Para isto, não lidamos em milagrosos laboratórios de felicidade improvisada, onde se adquiram dotes de vil preço e ordinárias asas de cera. Somos filhos de Deus, em crescimento. Sela nos campos de forças condensadas, quais os da luta física, seja nas esferas de energias sutis, quais as do plano superior, os ascendentes que nos presidem os destinos são de ordem evolutiva, pura e simples, com indefectível justiça a seguirmos de perto, à claridade gloriosa e com passiva do Divino Amor. A morte a ninguém propIciará passaporte gratuito para a ventura celeste. Nunca promoverá compulsoriamente homens a anjos. Cada criatura trans-porá essa aduana da eternidade com a exclusiva bagagem do que houver semeado, e aprenderá que a ordem e a hierarquia, a paz do trabalho edificante, são característicos imutáveis da Lei, em toda parte. Ninguém, depois do sepulcro, gozará de um descanso a que não tenha feito jus, porque “o Reino do Senhor não vem com aparências externas”. Os companheiros que compreendem, na experiência humana, a escada sublime, cujos degraus há que vencer a preço de suor, com o proveito das bênçãos celestiais, dentro da prática Incessante do bem, não se surpreenderão com as narrativas do mensageiro interessado no servir por amor. Sabem eles que não teriam recebido o dom da vida para matar o tempo, nem a dádiva da’ fé para confundir os semelhantes, absorvidos, que se acham, na execução dos Divinos Desígnios. Todavia, aos crentes do favoritismo, presos à teia de velhas ilusões, ainda quando se apresentem com os mais respeitáveis títulos, as afirmativas do emissário fraternal provocarão descontentamento e perplexidade. É natural, porém: cada lavrador respira o ar do campo que escolheu. Para todos, contudo, exoramos a bênção do Eterno: tanto para eles, quanto para nós. EMMANUEL Pedro Leopoldo, 25 de março de 1947.
  • 6. 6 1 Entre dois planos Esplendia o luar, revestindo os ângulos da paisagem de intensa luz. Maravilhosos cúmulos a Oeste, espraiados no horizonte, semelhavam-se a castelos de espuma láctea, perdidos no imenso azul; confinando com a amplidão, o quadro terrestre contrastava com o doce encantamento do alto, deixando entrever a vasta planície, recamada de arvoredo em pesado verde- escuro. Ao Sul, caprichosos cirros reclinavam-se do Céu sobre a Terra, simboli- zando adornos de gaze esvoaçante; evoquei, nesse momento, a juventude da Humanidade encarnada, perguntando a mim mesmo se aquelas bandas alvas do firmamento não seriam faixas celestiais. a protegerem o repouso do educandário terrestre. A solidão imponente do plenilúnio infundia-me quase terror pela melancolia de sua majestosa e indizível beleza. A idéia de Deus envolvia-me o pensamento, arrancando-me notas de respeito e gratidão, que eu, entretanto, não chegava a emitir. Em plena casa da noite, rendia culto de amor ao Eterno, que lhe criara os fundamentos sublimes de silêncio e de paz, em refrigério das almas encarnadas na Crosta da Terra. O luminoso disco lunar irradiava, destarte, maravilhosas sugestões. Aos seus reflexos, iniciara-se a evolução terrena, e numerosas civilizações haviam modificado o curso das experiências humanaS. Aquela mesma lâmpada suspensa clareara o caminho dos seres primitivos, conduzira os passos dos conquistadores, norteara a jornada dos santos. Testemunha impassível, observara a fundação de cidades suntuosas, acompanhando-lhes a prosperidade e a decadência; contemplara as incessantes renovações da geografia política do mundo; brilhara sobre a testa coroada dos príncipes e sobre o cajado de misérrimos pastores; presenciava, todos os dias, há longos milênios, o nascimento e a morte de milhões de seres. Sua augusta serenidade refletia a paz divina, Cá em baixo, desencarnados e encarnados, possuidores de relativa inteligência, podíamos proceder a experimentos, reparar estradas, contrair compromissos ou edificar virtudes, entre a esperança e a inquietação, aprendendo e recapitulando sempre; mas a Lua, solitária e alvinitente, trazia- nos a idéia da tranquilidade inexpugnável da Divina Lei. — A região do encontro está próxima. A palavra do Assistente Calderaro interrompeu-me a meditação. O aviso fazia-me sentir o trabalho, a responsabilidade; lembrava, sobretudo, que não me encontrava só. Não viajávamos, ambos, sem objetivo. Em breves minutos, partilharíamos os trabalhos do Instrutor Eusébio, abnegado paladino do amor cristão, em serviço de auxílio a companheiros necessitados. Eusébio dedicara-se, de há muito, ao ministério do socorro espiritual, com vastíssimos créditos em nosso plano. Renunciara a posições de realce e adiara sublimes realizações, consagrando-se inteiramente aos famintos de luz. Superintendia prestigiosa organização de assistência em zona intermediária, atendendo a estudantes relativamente espiritualizados, pois ainda jungidos ao círculo carnal, e a discípulos recém-libertos do campo físico. A enorme instituição, a que dedicava direção fulgurante, regurgitava de almas situadas entre as esferas inferiores e as superiores, gente com imen-
  • 7. 7 sidão de problemas e de indagações de toda a espécie, a requerer-lhe paciência e sabedoria; entretanto, o indefesso missionário, mau grado ao cons- tante acúmulo de serviços complexos, encontrava tempo para descer semanalmente à Crosta Planetária, satisfazendo interesses imediatos de aprendizes que se candidatavam ao discipulado, sem recursos de elevação para vir ao encontro de seu verbo iluminado, na sede superior. Não o conhecia pessoalmente. Calderaro, porém, recebia-lhe a orientação, de conformidade com o quadro hierárquico, e a ele se referira com o entusiasmo do subordinado que se liga ao chefe, guardando o amor acima da obediência. O Assistente, a seu turno, prestava serviço ativo na própria Crosta da Terra, a atender, de modo direto, aos irmãos encarnados. Especializara-se na ciência do socorro espiritual, naquela que, entre os estudiosos do mundo, poderíamos chamar «psiquiatria iluminada», setor de realizações que há muito tempo me seduzia. Dispondo de uma semana sem obrigações definidas, dentre os encargos que me diziam respeito, solicitei ingresso na turma de adestramento, da qual se fizera Calderaro eminente orientador, tendo-me ele aceito com a gentileza característica dos legítimos missionários do bem e propondo-se conduzir-me carinhosamente. Encontrava-se em oportunidade favorável aos meus propósitos de aprender, pois a equipe de preparação, que lhe recebia ensinamentos, excursionava em outra região, a labutar em atividades edificantes; à vista disso, poderia dispensar-me toda a atenção, auxiliando-me os desejos. Os casos que lhe eram atinentes, explicou-me solícito, não apresentavam continuidade substancial: desdobravam-se; constituíam obra de improviso, obedeciam ao inopinado das ordens de serviço ou das situações. Noutros campos de ação, fazia-se imprescindível o roteiro, previstas as condições e as circunstâncias. No quadro de responsabilidades, porém, que lhe estavam afetas, diferiam as normas; importava acompanhar os problemas, quais impre- vistas manifestações da própria vida. Em virtude de tais flutuações, não traçava, a rigor, programas quanto a particularidades. Executava os deveres que lhe competiam, onde, como e quando determinassem os desígnios superiores. O escopo fundamental da tarefa circunscrevia-se ao socorro ime- diato aos infelizes, evitando-se, quanto possível, a loucura, o suicidio e os extremos desastres morais. Para isto, o missionário atuante era compelido a conhecer profundamente o jogo das forças psíquicas, com acendrado devotamento ao bem do próximo. Calderaro, neste particular, não deixava perceber qualquer dúvida. A bondade espontânea lhe era indício da virtude, e a inquebrantável serenidade revelava-lhe a sabedoria. Não lhe gozava o convívio desde muitos dias. Abraçara-o na véspera pela primeira vez; bastou, no entanto, um minuto de sintonia, para que se estabelecesse entre nós sadia intimidade. Embora lhe reconhecesse a sobriedade verbal, desde o momento do nosso encontro permutávamos impressões como velhos amigos. Seguindo-lhe, pois, os passos, afetuosamente, de alma edificada na fraternidade e na confiança, vi-me a reduzida distância de extenso parque, em plena natureza terrestre. Em torno, árvores robustas, de copas farfalhantes, alinhavam-se, à maneira de sentinelas adrede postadas para velar-nos pelos serviços.
  • 8. 8 O vento passava cantando, em surdina; no recinto iluminado de claridades inacessíveis à faculdade receptiva do olhar humano, aglomeravam-se algumas centenas de companheiros, temporàriamente afastados do corpo físico pela força liberativa do sono. Amigos de nossa esfera atendiam-nos com desvelo, mostrando interesse afetivo, prazer de servir e santa paciencia. Reparei que muitos se mantinham de pé; outros, contudo, se acomodavam nas protuberâncias do solo alcatifado de relva macia, em palestra grave e respeitosa. Ambientando-me para aquela hora de extrema beleza espiritual, Calderaro avisou-me: — Na reunião de hoje o Instrutor Eusébio receberá estudantes do espiritualismo, em suas correntes diversas, que se candidatam aos serviços de vanguarda. — Oh! — exclamei, curioso — Não se trata, pois, de assembleia, que agrupe indivíduos filiados indiscriminadamente às escolas da fé? O Assistente esclareceu, de pronto: — A medida não seria aconselhável no círculo de nossa especialidade. O Instrutor afeiçoou-se ao apostolado de assistência a criaturas encarnadas e a recém-libertas da zona física, em particular, precisando aproveitar o tempo com as horas de preleção, para o máximo de aproveitamento. A heterogeneidade de princípios em centenas de individuos, cada qual com sua opinião, obrigaria a digressões difusas, acarretando condenáveis desperdícios de oportunidades. Fixou a multidão demoradamente, e acrescentou: — Temos aqui, em cálculo aproximado, mil e duzentas pessoas. Deste número oitenta per cento se constituem de aprendizes dos templos espiritua- listas, em seus ramos diversos, ainda inaptos aos grandes vôos do conhecimento, conquanto nutram fervorosas aspirações de colaboração no Plano Divino. São companheiros de elevado potencial de virtudes. Exemplificam a boa vontade, exercitam-se na iluminação interior através de esforço louvável; contudo, ainda não criaram o cerne da confiança para uso próprio. Tremem ante as tempestades naturais do caminho e hesitam no círculo das provas necessárias ao enriquecimento da alma, exigindo de nós particular cuidado, pois que, pelos seus testemunhos de diligência na obra espiritualizante, são os futuros instrumentos para os serviços da frente. Apesar da claridade que lhes assinala as diretrizes, ainda padecem desarmonias e angústias, que lhes ameaçam o equilíbrio incipiente. Não lhes falece, porém, a assistência precisa. Instituições de restauração de forças abrem-lhes as portas acolhedoras em nossas esferas de ação. A libertação pelo sono é o recurso imediato de nossas manifestações de amparo fraterno. A princípio, recebem- nos a influência inconscientemente; em seguida, porém, fortalecem a mente. devagarinho, gravando-nos o concurso na memória, apresentando idéias, alvitres, sugestões, pareceres e inspirações beneficentes e salvadoras, através de recordações imprecisas. Fez breve pausa e concluiu: — Os demais são colaboradores de nosso plano em tarefa de auxílio. A organização dos trabalhos era digna de sincera admiração. Estávamos num campo substancialmente terrestre. A atmosfera, impregnada de aromas que o vento espargia em torno, recordava-me o lar na Terra, contornado de seu jardim, em noite cálida. Que teria eu realizado no mundo físico se recebesse, em outro tempo,
  • 9. 9 aquela bendita oportunidade de iluminação? Aquele punhado de mortais, sob os raios da Lua, afigurou-se-me assembleia de privilegiados, favorecidos por celestes numnes. Milhões de homens e mulheres a dormir em cidades Próximas, algemados aos interesses imediatoS e ansiando a permuta das mais vis sensações, nem de longe suspeitariam a existência daquela original aglomeração de candidatos à luz intima, convocados à preparação intensiva para incursões mais longas e eficientes na espiritualidade superior. Teriam a noção do sublime ensejo que lhes aprazia? aproveitariam a dádiva com suficiente compreensão dos valores eternos? marchariam desassombrados para a frente, OU estacionariam ao contacto dos primeiros óbices, no esforço iluminativo? Calderaro percebeu-me as silenciosas perquirições e acrescentou: — Nossa comunidade de trabalho se dedica, essencialmente, à manifestação do equilíbrio. Não ignoras que a. codificação do plano mental das criaturas ninguém jamais a impõe: é fruto de tempo, de esforço, de evolução; e o edifício da sociedade humana, em o atual momento do mundo, vem sendo abalado nos próprios alicerces, compelindo imenso número de pessoas a imprevistas renovações. Certo, não te surpreenderás se eu disser que, em face do surto da inteligência moderna, que embate na paralisia do sentimento, periclita a razão. O progreSsO material atordoa a alma do homem desatento. Grandes massas, há séculos, permanecem distanciadas da luz espiritual. A civiliZaçãO puramente científica é um Saturno devorador, e a humanidade de agora se defronta com implacáveis exigências de acelerado crescer mental. Daí o agravo de nossas obrigações no setor da assistência. As necessidades de preparação do espírito intensificam-se em ritmo assustador. Nesse instante, alcançamos a multidão pacífica. Meu interlocutor sorriu, frisando: — O acaso não opera prodígios. Qualquer realização há que planejar, atacar, por a termo. Para que o homem físico se converta em homem espi ritual, o milagre exige muita colaboração de nossa parte. Lançou-me olhar significativo e concluiu: — As asas sublimes da alma eterna não se expandem nos acanhados escaninhos de uma chocadeira. Há que trabalhar, brunir, sofrer. Nesse momento, aproximou-se alguém dirigindo-nos a palavra: era um solícito companheiro, informando-nos que Eusébio penetrara o recinto. Efetivamente, em saliência próxima, comparecia o missionário, ladeado por seis assessores, todos envoltos em halos de intensa luz. O abnegado orientador não exibia os traços de venerável senectude com que em geral imaginamos os apóstolos das revelações divinas; mostrava-se- nos com a figura dos homens robustos, em plena madureza espiritual; os olhos escuros e tranquilos pareciam fontes de imenso poder magnético. Contemplava-nos sorridente, qual simples colega. A presença dele impusera, porém, respeitoso silencio. Cessaram todas as conversações que aqui e ali se entretinham, e ante os fios de luz que os trabalhadores de nosso plano teciam em derredor, isolando-nos de qualquer assédio eventual das forças inferiores, apenas o vento calmo erguia a voz, sussurrando algo de belo e misterioso à folhagem. Sentamo-nos todos, à escuta, enquanto o Instrutor se mantinha de pé; observando-o, quase frente a frente, eu podia agora apreciar-lhe a figura majestosa, respirando segurança e beleza. Do rosto imperturbável, a bondade
  • 10. 10 e a compreensão, a tolerância e a doçura irradiavam simpatia inexcedível. A túnica ampla, de tom verde-claro, emitia esmeraldinas cintilações. Aquela vigorosa personalidade infundia veneração e carinho, confiança e paz. Consolidada a quietude no ambiente, elevou a destra para o Alto e orou com inflexão comovedora: Senhor da Vida, Abençoa-nos o propósito De penetrar o caminho da Luz!... Somos Teus filhos, Ainda escravos de círculos restritos, Mas a sede do Infinito Dilacera-nos os véus do ser. Herdeiros da imortalidade, Buscamos-Te as fontes eternas Esperando, confiantes, em Tua misericórdia. De nós mesmos, Senhor, nada podemos. Sem Ti, somos frondes decepadas Que o fogo da experiência Tortura ou transforma... Unidos, no entanto, ao Teu Amor, Somos condicionadores gloriosos De Tua Criação interminável. Somos alguns milhares Neste campo terrestre; E, antes de tudo, Louvamos-Te a grandeza Que não nos oprime a pequenez... Dilata-nos a percepção diante da vida, Abre-nos os olhos Enevoados pelo sono da ilusão Para que divisemos Tua glória sem fim!... Desperta-nos docemente o ouvido, A fim de percebermos o cântico De tua sublime eternidade. Abençoa as sementes de sabedoria Que os teus mensageiros esparziram No campo de nossas almas; Fecunda-nos o solo interior, Para que os divinos germens não pereçam. Sabemos, Pai, Que o suor do trabalho E a lágrima da redenção
  • 11. 11 Constituem adubo generoso A floração de nossas sementeiras; Todavia, Sem Tua bênção, O suor elanguesce E a lágrima desespera... Sem Tua mão compassiva, Os vermes das paixões E as tempestades de nossos vícios Podem arruinar-nos a lavoura incipiente. Acorda-nos, Senhor da Vida, Para a luz das oportunidades presentes; Para que os atritos da luta não as inutilizem, Guia-nos os pés para o supremo bem; Reveste-nos o coração Com a Tua serenidade paternal, Robustecendo-nos a resistência! Poderoso Senhor, Ampara-nos a fragilidade, Corrige-nos os erros, Esclarece-nos a ignorância, Acolhe-nos em Teu amoroso regaço. Cumpram-se, Pai Amado, Os Teus desígnios soberanos, Agora e sempre. Assim seja. Finda a comovente rogativa, o orientador baixou os olhos nevoados de pranto, e então vi, dominado de júbilo, que da incognoscível altura uma claridade diferente caía sobre nós, em jorros cristalinos. Partículas semelhantes a prata eterizada choviam no recinto, infiltrando-se nas raízes das árvores mais próximas, lá fora. Ignoto encantamento fizera-se em minhalma. Ao contacto dos eflúvios divinos, reparei que minhas forças gradualmente serenavam, em receptividade maravilhosa. Em torno, pairavam as mesmas notas de alegria e de beleza, pois a calma e a ventura transpareciam de todos os rostos, voltados, extáticos, para o Instrutor, em redor do qual se mostravam mais intensas as ondas de luz celeste. Sublime felicidade inundava-me todo o ser, mergulhara-me em indefinível banho de energias renovadoras. Meus olhos foram impotentes para conter as lágrimas felizes que as formosas cintilações me destilavam das fontes ocultas do espírito. E, antes que o nobre mentor retomasse a palavra, agradeci em silêncio a resposta do Céu, reconhecendo na prece, mais uma vez, não só a manifestação da reverência religiosa, senão também o recurso de acesso aos inesgotáveis mananciais do Divino Poder.
  • 12. 12 2 A preleção de Eusébio Erecto, incendido o tórax de suave luz, falou o Instrutor, comovedoramente: — «Dirigimo-nos a vós, irmãos, que tendes, por enquanto, ensejo de aprender na bendita escola carnal. «Tangidos pela necessidade, na sede de ciência ou na angústia do amor que transpõe abismos, vencestes pesadas fronteiras vibratórias, encontrando- vos na estaca zero do caminho diferente que se vos antolha. Enquanto vossa organização fisiológica repousa a distância, exercitando-se para a morte, vossas almas quase libertas partilham conosco a fraternidade e a esperança, adestrando faculdades e sentimentos para a verdadeira vida. «Naturalmente, não podereis guardar plena recordação desta hora, em retomando o envoltório carnal, em virtude da deficiência do cérebro, incapaz de suportar a carga de duas vidas simultâneas; a lembrança de nosso entendimento persistirá, contudo, no fundo de vosso ser, orientando-vos as tendências superiores para o terreno da elevação e abrindo-vos a porta intuitiva para que vos assista nosso pensamento fraternal». O orador fez breve pausa, fixando-nos o olhar calmo e lúcido, e, sob a leve e incessante chuva de raios argênteos, continuou: — Enfastiados das repetidas sensações no plano grosseiro da existência, intentais pisar outros domínios. Buscais a novidade, o conforto desconhecido, a solução de torturantes enigmas; todavia, não olvideis que a chama do próprio coração, convertido em santuário de claridade divina, é a única lâmpada capaz de iluminar o mistério espiritual, em nossa marcha pela senda redentora e evolutiva. Ao lado de cada homem e de cada mulher, no mundo, permanece viva a Vontade de Deus, relativamente aos deveres que lhes cumprem. Cada qual tem à sua frente o serviço que lhe compete, como cada dia traz consigo possibilidades especiais de realização no bem. O Universo enquadra-se na ordem absoluta. Aves livres em limitados céus, interferimos no plano divino, criando para nós prisões e liames, libertação e enriquecimento. Insta, pois, nos adaptemos ao equilíbrio divino, atendendo à função insulada que nos cabe, em plena colmeia da vida. “Desde quando fazemos e desfazemoS, terminamos e recomeçamos, empreendemos a viagem reparadora e regressamos, perplexos, para o reinício? Somos, no palco da Crosta planetária, os mesmos atores do drama evolutivo. Cada milênio é ato breve, cada século um cenário veloz. Utilizando corpos sagrados, perdemos, entretanto, quais despreocupadas crianças, entretidas apenas em jogos infantis, o ensejo santificante da existência; des- tarte, fazemo-nos réprobos das leis soberanas, que nos enredam aos escombros da morte, como náufragos piratas por muito tempo indignos do retorno às lides do mar. Enquanto milhões de almas desfrutam bons ensejos de emenda e reajustamento, de novo entregues ao esforço regenerativo nas cidades terrestres, milhões de outras deploram a própria derrota, perdidas no atro recesso da desilusão e do padecimento. (Não nos reportamos aqui aos missionários heróicos que suportam as sangrentas feridas dos testemunhos angustiosos, por espírito de renúncia e de amor, de solidariedade e de sacrifício; são luzes provisoriamente apartadas da Luz Divina e que voltam ao domicilio celeste, como o trabalhador fiel regressa
  • 13. 13 ao lar, finda a cotidiana tarefa. «Referimo-nos às bastas multidões de almas indecisas, presas da ingratidão e da dúvida, da fraqueza e da dissipação, almas formadas à luz da razão, mas escravizadas à tirania do instinto». E num rasgo de humildade cristã, Eusébio continuou: - «Falamos de todos nós, viajores que extravagamos no deserto da própria negação; de nós, pássaros de asas partidas, que tentamos voar ao ninho da liberdade e da paz, e que, no entanto, ainda nos debatemos no chavascal dos prazeres de ínfima estofa. Porque não represar o curso das paixões corrosivas que nos flagelam o espírito? porque não sofrear o ímpeto da animalidade, em que nos comprazemos, desde os primeiros laivos de raciocínio? Sempre o terrível dualismo da luz e das trevas, da compaixão e da perversidade, da inteligência e do impulso bestial. Estudamos a ciência da espiritualidade consoladora desde os primórdios da razão, e, todavia, desde as épocas mais remotas, consagramo-nos ao aviltamento e ao morticínio. «Cantávamos hinos de louvor com Krishna, aprendendo o conceito da imortalidade da alma, à sombra das árvores augustas que aspiram aos cimos do Himalaia, e descíamos, logo depois, ao vale do Ganges, matando e destruindo para gozar e possuir. Soletrávamos o amor universal com Sidarta Gautama, e perseguíamos os semelhantes, em aliança com os guerreiros cingaleses e hindus. Fomos herdeiros da Sabedoria, nos tempos distantes da Esfinge, e, no entanto, da reverência aos mistérios da iniciação passávamos à hostilidade sanguissedenta, nas margens do Nilo. Acompanhando a arca simbólica dos hebreus, reiteradas vezes líamos os mandamentos de Jeová, contidos nos rolos sagrados, e, desatentos, os esquecíamos, ao primeiro clangor de guerra aos fiisteus. Chorávamos de comoção religiosa em Atenas, e assassinávamos nossos irmãos em Esparta. Admirávamos Pitágoras, o filósofo, e seguíamos Alexandre, o conquistador. Em Roma, conduzíamos oferendas valiosas aos deuses, nos maravilhosos santuários, exaltando a virtude, para desembainhar as armas, minutos depois, no átrio dos templos, disseminando a morte e entronizando o crime; escrevíamos formosas sen- tenças de respeito à vida, com Marco Aurélio, e ordenávamos a matança de pessoas limpas de culpa e úteis à sociedade. Com Jesus, o Divino Crucificado, nossa atitude não tem sido diferente. Sobre os despojos dos mártires, imolados nos circos, vertemos rios de sangue em vindita cruel, armando fogueiras do sectarismo religioso. Suportamos administradores arbitrários e ignominiosos, de Nero a Diocleciano, porque tínhamos fome de poder, e quando Constantino nos abriu as portas da dominação política, convertemo-nos de servos aparente- mente fiéis ao Evangelho em criminosos árbitros do mundo. Pouco a pouco esquecemos os cegos de Jericó, os paralíticos de Jerusalém, as crianças do Tiberíades, os pescadores de cafarnaum, para afagar as testas coroadas dos triunfadores, embora soubéssemos que os vencedores da Terra não podem fugir à peregrinação ao sepulcro. Tornou-se a ideia do Reino de Deus fantasia de ingênuos, pois não largávamos o lado direito dos príncipes, sequiosos de fastígio mundano. Ainda hoje, decorridos quase vinte séculos sobre a cruz do Salvador, benzemos baionetas e canhões, metralhadoras e tanques de assalto, em nome do Pai Magnânimo, que faz refulgir o sol da misericórdia sobre os justos e sobre os injustos. «É por esta razão que nossos celeiros de luz permanecem vazios. O vendaval das paixões fulminantes de homens e de povos passa ululante, de
  • 14. 14 um a outro pólo, a semear maus presságios. «Até quando seremos gênios demolidores e perversos? Ao invés de servos leais do Senhor da Vida, temos sido soldados dos exércitos da ilusão, deixando à retaguarda milhões de túmulos, abertos sob aluviões de cinza e fumo. Debalde exortou-nos o Cristo a buscar as manifestações do Pai em nosso próprio Intimo. Cevamos e expandimos ünicamente o egoísmo e a ambição, a vaidade e a fantasia na Crosta Planetária. Contraímos pesados débitos e escravizamo-nos aos tristes resultados de nossas obras, deixando- nos ficar, indefinidamente, na messe dos espinhos. «Foi assim que atingimos a época moderna, em que a loucura se generaliza e a harmonia mental do homem está a pique de soçobro. De cérebro evolvido e coração imaturo, requintamo-nos, presentemente, na arte de esfacelar o progresso espiritual. » O excelso orientador deu à oração mais longo intervalo, durante o qual observei companheiros em torno. Homens e mulheres, segurando alguns for- temente as mãos uns dos outros, exibiam extrema palidez no semblante estarrecido. Alguns deles, por certo, compareciam ali pela primeira vez, como eu, dado o extático assombro que se lhes estampava no rosto. Fixando na assembléia o olhar percuciente, o Instrutor prosseguiu: — (Nos séculos pretéritos, as cidades florescentes do mundo desapareciam pelo massacre, ao gládio dos conquistadores sem entranhas, ou estacionavam sob a onda mortífera da peste desconhecida e não atacada. Hoje, as coletividades humanas ainda sofrem o assédio da espada homicida, e chuvas de bombas arremetem contra populações indefesas; no entanto, a febre amarela, a cólera e a varíola foram dominadas; a lepra, a tuberculose e o câncer experimentam combate sem tréguas. Existe, porém, nova ameaça ao domicílio terrestre: o profundo desequilíbrio, a desarmonia generalizada, as moléstias da alma que se ingerem, sutis, solapando-vos a estabilidade. «Vossos caminhos não parecem percorridos por seres conscientes, mas semelham-se a estranhas veredas, ao longo das quais tripudiam duendes alu- cinados. Como fruto de eras sombrias, caracterizadas pela opressão e maldade recíprocas, em que temos vivido, odiando-nos uns aos outros, vemos a Terra convertida em campo de quase intérminas hostilidades. Homens e nações perseguem o mito do ouro fácil; criaturas sensíveis abandonam-se aos distúrbios das paixões; cérebros vigorosos perdem a visão interior, enceguecidos pelos enganos da personalidade e do autoritarismo. Empenhados em disputas intermináveis, em duelos formidandos de opinião, conduzidos por desvairadas ambições inferiores, os filhos da Terra abeiram-se de novo abismo, que o olhar conturbado não lhes deixa perceber. Esse hiante vórtice, meus irmãos, é o da alienação mental, que não nos desintegra só os patrimônios celulares da vida física, senão também nos atinge o tecido sutil da alma, invadindo-nos o cerne do corpo perispiritual. Quase todos os quadros da civilização moderna se acham comprometidos na estrutura fundamental. Precisamos, pois, mobilizar todas as forças ao nosso alcance, a serviço da causa humana, que é a nossa própria causa. «O trabalho salvacionista não é exclusividade da religião: constitui ministério comum a todos, porque dia virá em que o homem há de reconhecer a Divina Presença em toda a parte. A realização que nos compete não se filia ao particularismo: é obra genérica para a coletividade, esforço do servidor
  • 15. 15 honesto e sincero, interessado no bem de todos. “Se visuais a nossa companhia buscando orientação para o trabalho sublime do espírito, não vos esqueça vossa luz própria. Não conteis com archotes alheios para a jornada. Em míseros planos de sofrimento regenerador, nas vizinhanças da carne, choram amargamente milhões de homens e de mulheres que abusaram do concurso dos bons, precipitando-se nas trevas ao perder no túmulo os olhos efêmeros com que apreciavam a paisagem da vida à luz do Sol. Displicentes e recalcitrantes, esquivaram-se a todas as oportunidades de acender a própria lâmpada. Aborreciam os atritos da luta, elegeram o gozo corporal como objetivo supremo de seus propósitos na Terra; e, quando a morte lhes cerrou as pálpebras saciadas, passaram a co- nhecer uma noite mais longa e mais densa, referia de angústias e de pavores.» Nesse momento, Eusébio interrompeu-se por mais de um minuto, como a recordar cenas comovedoras que as imagens de seu verbo evocavam, demonstrando certa vaguidade no olhar. Notei a ansiedade com que a assembléia aguardava o retorno de sua palavra. Damas sensibilizadas ressumbravam forte impressão nas fisionomias transfiguradas, e todos nós, ante a exposição leal e comovente, nos mantínhamos quedos e aturdidos. Decorridos longos segundos, o orador prosseguiu com inflexão enérgica e patriarcal: - «Procurais conosco a precisa orientação para os trabalhos que vos tangem presentemente na Crosta da Terra. Seduzidos pela claridade da Esfera Superior, fascinados pelas primeiras noções do amor universal, desejais a graça da cooperação na sementeira do porvir. Reclamais asas para os surtos sublimes, tendes em mira coadjuvar no esforço de elevação. Indubitavelmente, a intenção não pode ser mais nobre; é, entretanto, indispensável considereis a vossa necessidade de integração no dever de cada dia. Impossível é progredir no século, sem atender às obrigações da hora - Torna-se imprescindível, na atualidade, recompor as energias, reajustar as aspirações e santificar os desejos. - Não basta crer na imortalidade da alma. Inadiável é a iluminação de nós mesmos, a fim de que sejamos claridade sublime. Não basta, para o arrojado cometimento da redenção, o simples reconhecimento da sobrevivência da alma e do intercâmbio entre os dois mundos. Os levianos e os maus, os ignorantes e os estultos, podem corresponder-se igualmente a distância, de país a país. Antes de mais nada importa elevar o coração, romper as muralhas que nos encerram na sombra, esquecer as ilusões da posse, dilacerar os véus espessos da vaidade, abster-se do letal licor do personalismo aviltante, para que os clarões do monte refuljam no fundo dos vales, a fim de que o sol eterno de Deus dissipe as transitórias trevas humanas. «Vanguardeiros da fé viva, que o desejais ser doravante no mundo, não obstante os percalços que se nos defrontam, exige-se de vós a cabal demons- tração de estardes certos da espiritualidade divina. «O Plano Superior não se interessa pela incorporação de devotos famintos de um paraíso beatifico. Admitiríeis, porventura, vossa permanência na Crosta Planetária, sem finalidades específicas? se a erva tenra deve produzir consoante objetivos superiores, que dizer da magnífica inteligência do homem encarnado? que não há que esperar da razão iluminada pela fé! Receberíamos tão sagrados depósitos de conhecimento edificante para um sacrifício por
  • 16. 16 nada? teríamos o aljôfar de tais bençãos para fortalecer o propósito egoístico de alcançar o céu sem escalas preparatórias, sem atividades purificadoras? «Nossa meta, meus amigos, não se compadece com o exclusivismo ególatra. A Porta Divina não se abre a espiritos que se não divinizaram pelo trabalho incessante de cooperação com o Pai Altíssimo. E o solo do Planeta, a que vos prendeis provisôriamente, representa o abençoado círculo de colaboração que o Senhor vos confia. Recolhei o orvalho celeste no escrínio do coração sedento de paz; contemplai as estrelas que nos acenam de longe, como sublimes ápices da Divindade; todavia, não olvideis o campo de lutas presentes. «O espiritualismo, nos tempos modernos, não pode restringir Deus entre as paredes de um templo da Terra, porque a nossa missão essencial é a de converter toda a Terra no templo augusto de Deus. «Para a nossa vanguarda de obreiros decididos e valorosos passou a face de experimentação fútil, de investigações desordenadas, de raciocínios periféricos. Vivemos a estruturação de sentimentos novos, argamassando as colunas do mundo vindouro, com a luz acesa em nosso campo íntimo. Natural é que os aprendizes recém-chegados experimentem, examinem, operem sondagens e evoquem teorias brilhantes, em que as hipóteses concorram ao lado da exibição personalista: compreensível e razoável. Toda escola caracteriza-se pelos diversos cursos, que lhe formam os quadros e as disciplinas. Não nos dirigimos aqui, porém, aos que ainda sonham na clausura do «eu», enredados nos mil obstáculos da fantasia que lhes cristaliza as impressões. Falamos a vós outros, que sentis a sede de universalismo, anônimos companheiros da humanidade que se esforça por emergir das trevas para a luz. Como aceitardes a estagnação como princípio e a felicidade exclusivista como fim? «Alimentemos a esperança renovadora. Não invoqueis Jesus para justificar anseios de repouso indébito. Ele não atingiu as culminâncias da Ressurreição sem subir ao Calvário, e as suas lições referem-se à fé que transporta montanhas. Não reclamemos, pois, ingresso em mundos felizes, antes de melhorar o nosso próprio mundo. Esquecei o velho erro de que a morte do corpo constitui milagrosa imersão da alma no rio do encantamento. Rendamos culto à vida permanente, à justiça perfeita, e adaptemo-nos à Lei que nos apreciará o mérito sempre de conformidade com as nossas próprias obras. «Nosso ministério é de iluminação e de eternidade. «O Governo Universal não nos circunscreveu as atividades à guarda de altares perecíveis. Não fomos convocados a velar no círculo particular duma interpretação exclusivista, senão a cooperar na libertação do espírito encarnado, abrindo horizontes mais claros à razão humana, refazendo o edifício da fé redentora que as religiões literalistas esqueceram. «Sopros imensos da onda evolucionista varrem os ambientes da Terra. Todos os dias ruem princípios convencionais, mantidos a titulo de invioláveis durante séculos. A mente humana, perplexa, écompelida a transições angustiosas. A subversão de valores, a experiência social e o processo acelerado de seleção pelo sofrimento coletivo perturbam os timidos e os invigilantes, que representam esmagadora maioria em toda parte... Como atender a esses milhões de necessitados espirituais, se não receberdes a responsabilidade do socorro fraterno? como sanar a loucura incipiente, se não
  • 17. 17 vos transformardes em ímãs que mantenham o equilíbrio? Sabemos que a harmonia interior não é artigo de oferta e procura nos mercados terrestres, mas aquisição espiritual só acessível no templo do Espírito. «Faz-se, pois, mister acendamos o coração em amor fraternal, à frente do serviço. Não bastará, em nossas realizações, a crença que espera; indis- pensável é o amor que confia e atende, transforma e eleva, como vaso legítimo da Sabedoria Divina. «Sejamos instrumentos do bem, acima de expectantes da graça. A tarefa demanda coragem e suprema devoção a Deus. Sem que nos convertamos em luz, no círculo em que estivermos, em vão acometeremos a sombra, aos nossos próprios pés. E, no prosseguimento da ação que nos compete, não nos esqueçamos de que a evangelização das relações entre as esferas visíveis e invisíveis é dever tão natural e tão inadiável da tarefa quanto a evangelização das pessoas. Não busqueis o maravilhoso: a sede do milagre pode viciar-vos e perder- vos. “Vinculai-vos, pela oração e pelo trabalho construtivo, aos planos superiores, e estes vos proporcionarão contacto com os Armazéns Divinos, que suprem a cada um de nós segundo a justa necessidade. “As ordenações que vos ajoujam na paisagem terrena, por mais ásperas ou desagradáveis, representam a Vontade Suprema. «Não galgueis os obstáculos, nem tenteis contorná-los pela fuga deliberada: vencei-os, utilizando a vontade e a perseverança, ensejando cresci- mento aos vossos próprios valores. «Cuidai em não transitar sem a devida prudência nos caminhos da carne, em que, muita vez, imitais a mariposa estouvada. Atendei as exigências de cada dia, rejubilando-vos por satisfazer as tarefas mínimas. «Não intenteis o voo sem haver aprendido a marcha. Sobretudo, não indagueis de direitos prováveis que vos caberiam no banquete divino, antes de liquidar os compromissos humanos. Impossível é o título de anjos, sem serdes, antes, criaturas ponderadas. «Soberanas e indefectíveis leis nos presidem aos destinos. Somos conhecidos e examinados em toda parte. «As facilidades concedidas aos espíritos santificados, que admiramos, são prodigalizadas a nós, por Deus, em todos os lugares. O aproveitamento, porém, é obra nossa. As máquinas terrestres podem alçar-vos o corpo físico a consideráveis alturas, mas o voo espiritual, com que vos libertareis da animalidade, jamais o desferireis sem asas próprias. A consolação e a amizade de benfeitores encarnados e desencarnados enriquecer-vos-ão de conforto, quais suaves e abençoadas flores da alma; entretanto, fenecerão como as rosas de um dia, se não fertilizardes o coração com a fé e o entendimento, com a esperança inquebrantável e o amor imortal, sublimes adubos que lhes propiciem o desenvolvimento no terreno do vosso esforço sem tréguas. “Não cobiceis o repouso das mãos e dos pés; antes de abrigar semelhante propósito, procurai a paz interior na suprema tranquilidade da consciência. «Abandonai a ilusão, antes que a ilusão vos abandone. «Empolgando a chefia da própria existência, deixai plantado o bem na esteira de vossos passos. «Somente os servos que trabalham gravam no tempo os marcos da
  • 18. 18 evolução; só os que se banham no suor da responsabilidade conseguem cunhar novas formas de vida e de ideal renovador. Os demais, chamem-se monarcas ou príncipes, ministros ou legisladores, sacerdotes ou generais, entregues à ociosidade, classificam-se na ordem dos sugadores da Terra; não chegam a assinalar sua permanência provisória na Crosta do Planeta; adejam como insetos multicores, tornando à poeira de que se alçaram por alguns minutos. (Regressando, pois, ao corpo de carne, valei-vos da luz para as edificações necessárias. Participemos do glorioso Espírito do Cristo. «Convertamo-nos em claridade redentora. “O desequilíbrio generalizado e crescente invade os departamentos da mente humana. Combatem-se, desesperadamente, as nações e as ideologias, os sistemas e os princípios. Estabelecida a trégua nas lutas internacionais, surgem deploráveis guerras civis, armando irmãos contra irmãos. A indisciplina fomenta greves, a ânsia de libertação perturba o domicílio dos povos. Guerreiam-se as esferas de ação entre si; encarnados e desencarnados de tendências inferiores colidem feroz-mente, aos milhões. Inúmeros lares transformam-se em ambientes de inconformação e desarmonia. Duela o homem consigo mesmo no atual processo acelerado de transição. «Equilibrai-vos, pois, na edificação necessária, convictos de que é impossível confundir a Lei ou trair-lhe os ditames universais!» Perorando, Eusébio proferiu bela e sentida prece, invocando as bênçãos divinas para a assembléia. Sublimes manifestações de luz fizeram-se, então, sentir sobre nós. Encerrados os trabalhos, os companheiros ainda presos ao círculo carnal começaram a retirar-se em respeitoso silêncio. Calderaro conduziu-me à presença do Instrutor e apresentou-me. O alto dirigente recebeu-me com afabilidade e doçura, cumnulando-me de palavras de incentivo. Precisávamos servir, explicou ele, encarecendo as necessidades de assistência espiritual amontoadas em toda a parte, reclamando cooperadores abnegados e fiéis. Quando Calderaro se referiu aos meus projetos, mostrou-me Eusébio paternal sorriso e, expondo-nos providências diversas a tomar, recomendou nos pusessemos em contacto com o grupo socorrista a que o Assistente emprestava ativa colaboração. Logo após, ao retirar-se, ladeado pelos assessores que lhe compunham a comitiva, o nobre mentor confortou-me, bondoso: — Sê feliz! Dirigindo a Calderaro expressivo olhar, acrescentou: — Dado ensejo, conduze-o ao serviço de assistência às cavernas. Tomado de curiosidade, agradeci sensibilizado e dispus-me a esperar.
  • 19. 19 3 A Casa Mental Retomando a companhia de Calderaro, na manhã luminosa, absorvia-me o propósito de enriquecer noções pertinentes às manifestações da vida próxima à esfera física. Admitido à colônia espiritual, que me recebera com extremado carinho, conhecia de perto alguns instrutores e fiéis operários do bem. Inquestionavelmente, vivíamos todos em intenso trabalho, com escassas horas reservadas a excursões de entretenimento; demais, fruíamos ambiente de felicidade e alegria a favorecer-nos a marcha evolutiva. Nossos templos constituíam, por si sós, abençoados núcleos de conforto e de revigoramento. Nas associações culturais e artísticas encontrávamos a continuidade da existência terrestre, enriquecida, porém, de múltiplos elementos educativos, O campo social regurgitava de oportunidades maravilhosas para a aquisição de inestimáveis afeições. Os lares, em que situávamos o serviço diuturno, erguiam-se entre jardins encantadores, quais ninhos tépidos e venturosos em frondes perfumadas e tranquilas. Não nos faltavam determinações e deveres, ordem e disciplina; entretanto, a serenidade era nosso clima, e a paz, nossa dádiva de cada dia. Arremessara-nos a morte a atmosfera estranha à luta física. A primeira sensação fora o choque. Empolgara-nos o imprevisto. Continuávamos vivendo, apenas sem a máquina fisiolõgica, mas as novas condições de existência não significavam subtração da oportunidade de evolver. Os motivos de competição benéfica, as possibilidades de crescimento espiritual haviam lucrado infinitamente. Podíamos recorrer aos poderes superiores, entreter relações edificantes, tecer esperanças e sonhos de amor, projetar experiências mais elevadas no setor reencarnacionista, aprimorando-nos no trabalho e no estudo e dilatando a capacidade de servir. Em suma, a passagem pelo sepulcro conduzira-nos a uma vida melhor; mas... e os milhões que transpunham o estreito limiar da morte, permanecendo apegados à Crosta da Terra. Incalculáveis multidões desse gênero mantinham-se na fase rudimentar do conhecimento; apenas possuíam algumas informações primárias da vida; exoravam amparo dos Espíritos Superiores, como as tribos primitivas reclamam o concurso dos homens civilizados; precisavam de desenvolver fa- culdades, como as crianças de crescer; não permaneciam chumbadas à esfera carnal por maldade, senão que se demoravam, hesitantes, no chão terreno, como os pequeninos descendentes dos homens se conchegam ao seio materno; guardavam da existência apenas a lembrança do campo sensitivo, reclamando a reencarnação quase imediata quando lhes não era possível a matrícula em nossos educandários de serviço e aprendizado iniciais. Por outro lado, verdadeiras falanges de criminosos e transviados agitavam-se, não longe de nós, depois de haverem transposto as fronteiras do túmulo; consumiam, por vezes, inúmeros anos entre a revolta e a desesperação, personificando hórridos gênios da sombra, como ocorre, nos círculos terrenos, com os delinqüentes contumazes, segregados da sociedade sadia; mas sempre terminavam a corrida louca nos desvios escuros do remorso e do sofrimento, penitenciando-se, por fim, de suas perversidades. O arrependimento é, porém, caminho para a regeneração e nunca passaporte direto para o céu, razão pela
  • 20. 20 qual esses infelizes formavam quadros vivos de padecimento e de horror. Em várias experiências, via-os conturbados e aflitos, assumindo formas desagradáveis ao olhar. Nos casos de obsessão convertiam-se em recíprocos algozes, ou, então, em verdugos frios das vítimas encarnadas; quando errantes ou circunscritos aos vales de punição, aterravam sempre pelos espetáculos de dor e de miséria sem limites. No entanto, era forçoso convir, eles, os desventurados, e nós outros, que continuávamos trabalhando em ritmo normal, atravessáramos portas idênticas. Talvez, em muitos casos, houvéssemos abandonado o invólucro material sob o assédio de doenças análogas. Isto considerando, e por desejar conhecer a Divina Lei, que não concede paraísos de favor, nem estabelece infernos eternais, confrangia-me o contemplar as imensas fileiras de infortunados. Efetivamente, identificara numerosos deles em câmaras retificadoras, através de múltiplas instituições de beneficência; todavia, esses, situados na zona de amparo fraterno, apresentavam a seu favor sintomas de melhora quanto ao reconhecimento das próprias falhas ou aos créditos espirituais de que gozavam, mercê de certas forças intercessoras. Os infelizes, a que aludimos, provinham, porém, de outras origens. Eram os ignorantes, os revoltados, os perturbadores e os impenitentes, de alma impermeável às advertências edificantes, os enfatuados e os vaidosos dos mais vários matizes, perseverantes no mal, dissipadores da energia anímica, em atitudes perversas diante da vida. Meu contacto com eles, em diversas ocasiões, fora simples encontro fortuito, sem maior significação para meu esclarecimento. Por que motivo se demoravam tanto no hemisfério obscuro da incompreensão? adiavam, deliberadamente, a recepção da luz? não lhes doeria a condição de seres condenados, por si mesmos, a longas penas? não experimentariam vergonha pela perda voluntária de tempo? Muita vez, surpreendia-me a contemplá-los... Os traços fisionômicos de muitos desses desventurados pareciam monstruoso desenho, provocando ironia e piedade. Que lei regeria a estereotipação de suas formas? Tê-los-ia olvidado a mãe- natureza, pródiga de bênçãos em todos os planos, ou recebiam eles esses traços de apresentação pessoal como castigo imposto por superiores desígnios? Tais interrogações que me esfervilhavam no cérebro me punham aflito por viver a possibilidade que se me oferecia. Aproximei-me de Calderaro, naquela manhã, sedento de saber. Expus-lhe minhas indagações íntimas, relatei-lhe aos ouvidos tolerantes minha expectativa ansiosa, longamente sofreada; pretendia conhecer os que se entretinham na maldade, no crime, na inconformação. Meu amigo escutou calmo, sorriu benévola-mente e começou por esclarecer: — Antes de mais nada, André, modifiquemos o conceito. Para transformar- nos em legítimos elementos de auxílio aos Espíritos sofredores, desen- carnados ou não, é-nos imprescindível compreender a perversidade como loucura, a revolta como ignorância e o desespero como enfermidade. Ante a minha perplexidade, acrescentou, fraternal: - Entendeste? Estas definições, em verdade, não são minhas. Aprendemo- las do Cristo, em seu trato divino com a nossa posição de inferioridade, na
  • 21. 21 Crosta Terrestre. Julguei que o Instrutor se estendesse em longa exposição verbalista, relativa ao assunto, trazendo referênéias preciosas e comentando experiências pessoais. Nada disto; Calderaro informou-me simplesmente: — A cegueira do espírito é fruto da espessa ignorância em manifestações primárias ou do obnubilamento da razão nos estados de aviltamento do ser. Nosso interesse, no socorro à mente desequilibrada, é analisar este último aspecto da sombra que pesa sobre as almas; assim sendo, faz-se mister saberes alguma coisa da loucura no âmbito da civilização. Para isto, convém estudarmos, mais detidamente, o cérebro do homem encarnado e o do homem desencarnado em posição desarmônica, por situarmos aí o órgão de manifestação da atividade espiritual. Desejaria continuar ouvindo-o nas explicações claras e convincentes, a lhe fluírem dos lábios, mas Calderaro silenciou para afirmar, passados alguns instantes: — Não disponho de muito tempo para discretear de matéria estranha aos meus serviços; todavia, lidaremos juntos, convictos de que, trabalhando nas boas obras, aprenderemos sempre a ciência da elevação. Sorriu, fraternal, e rematou: — O verbo gasto em serviços do bem é cimento divino para realizações imorredouras. Conversaremos, pois, servindo aos nossos semelhantes de modo substancial, e nosso lucro será crescente. Calei-me, edificado. Daí a minutos, acompanhando-o, penetrei vasto hospital, detendo-nos diante do leito de certo enfermo, que o Assistente deveria socorrer. Abatido e pálido, mantinha-se ele unido a deplorável entidade de nosso plano, em míseras condições de inferioridade e de sofrimento. O doente, embora quase imóvel, acusava forte tensão de nervos, sem perceber, com os olhos físicos, a presença do companheiro de sinistro aspecto. Pareciam visceralmente jungidos um ao outro, tal a abundância de fios tenuíssimos que mutuamente os entrelaçavam, desde o tórax à cabeça, pelo que se me afiguravam dois prisioneiros de uma rede fluídica. Pensamentos de um deles com certeza viveriam no cérebro do outro. Comoções e sentimentos seriam permutados entre ambos com matemática precisão. Espiritualmente, estariam, de contínuo, perfeitamente identificados entre si. Observava-lhes, admirado, o fluxo de comuns vibrações mentais. Dispunha-me a comentar o fenômeno, quando Calderaro, percebendo-me a intenção, se adiantou, recomendando: — Examina o cérebro de nosso irmão encarnado. Concentrei-me na contemplação do delicado aparelho, centralizando toda a minha capacidade visual, de modo a analisá-lo interiormente. O envoltório craniano, ante meus poderes visuais intensificados, não apresentava resistência. Como reparara de outras vezes, ali estava o com- plicado departamento da produção mental, semelhando-se a laboratório dos mais complexos e menos acessíveis. As circunvoluções separadas entre si, reunidas em lobos, igualmente distanciados uns dos outros pelas cissuras, davam-me a idéia de um aparelho elétrico, quase indevassado pelos homens. Comparando os dois hemisférios, recordei as designações da terminologia clássica, e demorei-me longos minutos reparando as especiais disposições dos nervos e as características da substância cinzenta.
  • 22. 22 A voz do meu orientador quebrou o silêncio, exclamando inopinadamente: — Observa a sinalização. Assombrado, notei, pela primeira vez, que as irradiações emitidas pelo cérebro continham diferenças essenciais. Cada centro motor assinalava-se com peculiaridades diversas, através das forças radiantes. Descobri, surpreso, que toda a província cerebral, pelos sinais luminosos, se dividia em três regiões distintas. Nos lobos frontais, as zonas de associação eram quase brilhantes. Do córtex motor, até a extremidade da medula espinhal, a claridade diminuía, para tomar-se ainda mais fraca nos gânglios basais. Já despendia alguns minutos na contemplação das células nervosas, quando o Assistente me aconselhou: — Examinaste o cérebro do companheiro que ainda se prende ao veículo denso; observa, agora, o mesmo órgão no amigo desencarnado que o influencia de modo direto. A entidade, que não se dava conta de nossa presença, em virtude do círculo de vibrações grosseiras em que se mantinha, fixava toda a atenção no doente, lembrando a sagacidade de um felino vigiando a presa. Observei-lhe estranha ferida na região torácica, e dispunha-me a investigar-lhe a causa, sondando os pulmões, quando Calderaro me corrigiu sem afetação: — Trataremos da chaga no trabalho de assistência. Concentra as possibilidades da visão no cérebro. Decorridos alguns momentos, concluí que, àparte a configuração das peças e o ritmo vibratório, tinha sob os olhos dois cérebros quase idênticos. Diferia o campo mental do desencarnado, revelando alguma superioridade no terreno da substância, que, no corpo perispiritual, era mais leve e menos obs- cura. Tive a impressão de que, se lavássemos, por dentro, o cérebro do amigo estirado no leito, escoimando-o de certos corpúsculos mais pesados, seria ele quase igual, em essência, ao da entidade que eu mantinha sob exame. As divisões luminosas, porém, eram em tudo análogas. Mais luz nos lobos frontais, menos luz no córtex motor e quase nenhuma na medula espinhal, onde as irradiações se faziam difusas e opacas. Interrompi o estudo comparativo, depois de acurada perquirição, e fixei Calderaro em silenciosa interrogativa. O prestimoso mentor argumentou, sorridente: — Depois da morte física, o que há de mais surpreendente para nós é o reencontro da vida. Aqui aprendemos que o organismo perispirítico que nos condiciona em matéria mais leve e mais plástica, após o sepulcro, é fruto igualmente do processo evolutivo. Não somos criações milagrosas, destinadas ao adorno de um paraíso de papelão. Somos filhos de Deus e herdeiros dos séculos, conquistando valores, de experiência em experiência, de milênio a milênio. Não há favoritismo no Templo Universal do Eterno, e todas as forças da Criação aperfeiçoam-se no Infinito. A crisálida de consciência, que reside no cristal a rolar na corrente do rio, aí se acha em processo liberatório; as árvores que por vezes se aprumam centenas de anos, a suportar os golpes do Inverno e acalentadas pelas carícias da Primavera, estão conquistando a memória; a fêmea do tigre, lambendo os filhinhos recém-natos, aprende rudimentos do amor; o símio, guinchando, organiza a faculdade da palavra. Em verdade, Deus criou o mundo, mas nós nos conservamos ainda longe da obra completa. Os seres que habitam o Universo ressumbrarão suor por muito tempo, a aprimorá-
  • 23. 23 lo. Assim também a individualidade. Somos criação do Autor Divino, e devemos aperfeiçoar-nos integralmente. O Eterno Pai estabeleceu como lei universal que seja a perfeição obra de cooperativismo entre Ele e nós, os seus filhos. O mentor silenciou por instantes, sem que me acudisse ânimo suficiente para trazer qualquer comentário aos seus elevados conceitos. Logo após, indicou-me a medula espinhal e continuou: — Creio ociosa qualquer alusão aos trabalhos primordiais do nosso longo drama de vida evolutiva. Desde a ameba, na tépida água do mar, até o homem, vimos lutando, aprendendo e selecionando invariàvelmente. Para adquirir movimento e músculos, faculdades e raciocínios, experimentamos a vida e por ela fomos experimentados, milhares de anos. As páginas da sabedoria hinduísta são escritos de ontem, e a Boa-Nova de Jesus-Cristo é matéria de hoje, comparadas aos milênios vividos por nós, na jornada progressiva. Depois de fazer com a destra significativo gesto, prosseguiu: — No sistema nervoso, temos o cérebro inicial, repositório dos movimentos instintivos e sede das atividades subconscientes; figuremo-lo como sendo o porão da individualidade, onde arquivamos todas as experiências e registramos os menores fatos da vida. Na região do córtex motor, zona intermediária entre os lobos frontais e os nervos, temos o cérebro desenvolvido, consubstanciando as energias motoras de que se serve a nossa mente para as manifestações imprescindíveis no atual momento evolutivo do nosso modo de ser. Nos planos dos lobos frontais, silenciosos ainda para a investigação científica do mundo, jazem materiais de ordem sublime, que conquistaremos gradualmente, no esforço de ascensão, representando a parte mais nobre de nosso organismo divino em evolução. Os esclarecimentos singelos e admiráveis empolgavam-me. Calderaro era educador da mais elevada estirpe. Ensinava sem cansar, sabia conduzir o aprendiz a conhecimentos profundos sem nenhum sacrifício da parte do aluno. Apreciava-lhe eu a nobreza, quando prosseguiu, findo breve intervalo: — Não podemos dizer que possuímos três cérebros simultâneamente. Temos apenas um que, porém, se divide em três regiões distintas. Tomemo-lo como se fora um castelo de três andares: no primeiro situamos a «residência de nossos impulsos automáticos», simbolizando o sumário vivo dos serviços realizados; no segundo localizamos o «domicílio das conquistas atuais», onde se erguem e se consolidam as qualidades nobres que estamos edificando; no terceiro, temos a «casa das noções superiores», indicando as eminências que nos cumpre atingir. Num deles moram o hábito e o automatismo; no outro residem o esforço e a vontade; e no último demoram o ideal e a meta superior a ser alcançada. Distribuimos, deste modo, nos três andares, o subconsciente, o consciente e o superconsciente. Como vemos, possuímos, em nós mesmos, o passado, o presente e o futuro. Verificando-se pausa mais longa, dei curso às ponderações íntimas, segundo antigo vezo de inquirir. As preciosas explicações que ouvira não poderiam ser mais simples, nem mais lógicas. Entretanto, perquiria a mim mesmo: o cérebro de um desencarnado seria também suscetível de adoecer? Sabia eu que a substância cinzenta, no mundo carnal, podia ser acometida pelos tumores, pelo amo- lecimento, pela hemorragia; mas na esfera nova, a que a morte me conduzira, que fenômenos mórbidos assediariam a mente? Calderaro registrou-me as indagações e esclareceu:
  • 24. 24 - Não discutiremos aqui as moléstias físicas prôpriamente ditas. Quem acompanha, como nós, desde muito tempo, o ministério dos psiquiatras ver- dadeiramente consagrados ao bem do próximo, conhece, à saciedade, que todos os títulos de gratidão humana permanecem inexpressivos ante o aposto- lado de um Paul Broca, que identificou a enfermidade do centro da palavra, ou de um Wagner Jauregg, que se dedicou à cura da paralisia, em perseguição ao espiroqueta da sífilis, até encontrá-lo no recesso da matéria cinzenta, perturbando as zonas motoras. Diante de fenômenos como estes, é compreensível a quebra da harmonia cerebral em consequência de compulsôriamente se arredarem das aglutinações celulares do campo fisio- lógico os princípios do corpo perispiritual; essas aglutinações ficam, então, desordenadas em sua estrutura e atividades normais, qual acontece ao violino incapacitado para a execução perfeita dum trecho melódico, por trazer uma ou duas cordas desafinadas. Não devemos, nem podemos ignorar as leis que regem os domínios da forma... Daí a impossibilidade de querermos «psicologia equilibrada» sem «fisiologia harmoniosa», na esfera da ciência humana: isto é caso pacífico. Referir-nos-emos tão só às manifestações espirituais em sua essência. Indagas se a mente desencarnada pode adoecer... Que pergunta! cuidas que a maldade deliberada não seja moléstia da alma? que o ódio não constitua morbo terrível? supões, porventura, não haja «vermes mentais» da tristeza e da inconformação? Embora tenhamos a felicidade de agir num corpo mais sutil e mais leve, graças à natureza de nossos pensamentos e aspirações, já distantes das zonas grosseiras da vida que deixamos, não possuímos ainda o cérebro dos anjos. Constitui-nos incessante trabalho a conservação de nossa forma atual, a caminho de conquistas mais alcandoradas; não podemos descansar nos processos iluminativos; cumpre-nos purificar sempre, selecionar pendores e joeirar concepções, de molde a não interromper a marcha. Milhões vivem aqui, na posição em que nos achamos, mas outros milhões permanecem na carne ou em nossas linhas mais baixas de evolução, sob o guante de atroz demência. É para esses que devemos cogitar da patologia do espírito, socorrendo os mais infelizes e interferindo fraternal e indiretamente na solução de problemas escabrosos em cujos fios negros se enredam. São duendes em desespero, vítimas de si mesmos, em terrível colheita de espinhos e desilusões. O corpo perispiritual humano, vaso de nossas manifestações, é, por ora, a nossa mais alta conquista na Terra, no capítulo das formas. Para as almas esclarecidas, já iluminadas de redentora luz, representa ele uma ponte para o campo superior da vida eterna, ainda não atingido por nós mesmos; para os espíritos vulgares, é a restrição indispensável e justa; para as consciências culpadas, é cadeia intraduzível, pois, além do mais, registra os erros cometidos, guardando-os com todas as particularidades vivas dos negros momentos da queda. O gênero de vida de cada um, no invólucro carnal, determina a densidade do organismo perispirítico após a perda do corpo denso. Ora, o cérebro é o instrumento que traduz a mente, manancial de nossos pensamentos. Através dele, pois, unimo-nos àluz ou à treva, ao bem ou ao mal. Percebendo à atenção com que lhe seguia os preciosos esclarecimentos, Calderaro sorriu significativamente e perguntou: — Compreendeste? Indicando os dois sofredores, ao nosso lado, prosseguiu:
  • 25. 25 —Examinamos aqui dois enfermos: um, na carne; outro, fora dela. Ambos trazem o cérebro intoxicado, sintonizando-se absolutamente um com o outro. Espiritualmente, rolaram do terceiro andar, onde situamos as concepções superiores, e, entregando-se ao relaxamento da vontade, deixaram de acolher- se no segundo andar, sede do esforço próprio, perdendo valiosa oportunidade de reerguer-se; caíram, destarte, na esfera dos impulsos instintivos, onde se arquivam todas as experiências da animalidade anterior. Ambos detestam a vida, odeiam-se reciprocamente, desesperam-se, asilam ideias de tormento, de aflição, de vingança. Em suma, estão loucos, embora o mundo lhes não vis- lumbre o supremo desequilíbrio, que se verifica no íntimo da organização perispiritual. Dispunha-me a desfiar longa lista de perguntas alusivas às duas personagens em foco, mas o interlocutor iniciou o serviço de assistência direta, e, impondo a destra no lobo frontal esquerdo do doente encarnado, falou-me, afável: — Cala, meu amigo, tuas ansiosas indagações. Acalma-te. No transcurso de nossos trabalhos explicar-te-ei quanto estiver ao alcance de meus co- nhecimentos.
  • 26. 26 4 Estudando o cérebro Com a mão fraterna espalmada sobre a fronte do enfermo, como a transmitir-lhe vigorosos fluidos de vida renovadora, Calderaro esclareceu-me, bondoso: — Há vinte anos, aproximadamente, este amigo pôs fim ao corpo físico do seu atual verdugo, num doloroso capitulo de sangue. Iniciei o serviço de assistência a ele, só há três dias; no entanto, já me inteirei da sua comovente história. Dirigiu compassivo olhar ao algoz desencarnado e prosseguiu: — Trabalhavam juntos, numa grande cidade, entregues ao comércio de quinquilharias. O homicida desempenhava funções de empregado da vítima, desde a infância, e, atingida a maioridade, exigiu do chefe, que passara a tutor, o pagamento de vários anos de serviço. Negou-se o patrão, terminantemente, a satisfazê-lo, alegando as fadigas que vivera para assisti-lo na infância e na juventude. Propiciar-lhe-ia vantajosa posição no campo dos negócios, conceder-lhe-ia interesses substanciais, mas não lhe pagaria vintém relativamente ao passado. Até ali, guardara-o à conta de um filho, que lhe reclamava continua assistência. Estalou a contenda. Palavras rudes, trocadas entre vibrações de cólera, inflamaram o cérebro do rapaz, que, no auge da ira, o assassinou, dominado por selvagem fúria. Antes, porém, de fugir do local, o criminoso correu ao cofre, em que se amontoavam fartos pacotes de papel- moeda, retirou a importância vultosa a que se supunha com direito, deixando intacta regular fortuna que despistaria a polícia no dia imediato. Efetivamente, na manhã seguinte ele próprio veio à casa comercial, onde a vítima pernoitava enquanto a pequena família fazia longa estação no campo, e, fingindo preocupação ante as portas cerradas, convidou um guarda a segui-lo, a fim de violarem ambos uma das fechaduras. Em poucos momentos, espalhava-se a notícia do crime; no entanto, a justiça humana, emalhada nas habilidades do delinqüente, não conseguiu esclarecer o problema na origem. O assassino foi pródigo nos cuidados de salvaguardar os interesses do morto. Mandou selar cofres e livros. Providenciou arrolamentos laboriosos. Requisitou amparo das autoridades legais para minucioso exame da situação. Foi verdadeiro advogado da viúva e dos dois filhinhos do tutor falecido, os quais, mercê de seu devotamento, receberam substanciosa herança. Pranteou a ocorrência, como se o desencarnado lhe fôsse pai. Terminada a questão, com a inanidade do aparelho judiciário diante do enigma, retirou-se, discreto, para grande centro industrial, onde aplicou os recursos econômicos em atividades lucrativas. O mentor estampou diferente brilho no olhar, fêz pequena pausa e acrescentou: — Conseguiu ludibriar os homens, mas não pôde iludir a si mesmo. A entidade desencarnada, concentrando a mente na ideia de vingança, passou, perseverante, a segui-lo. Aferrou-se-lhe à organização psíquica, à maneira de hera sobre muro viscoso. Tudo fêz o homicida para atenuar-lhe o assédio constante. Desdobrou-se nos empreendimentos materiais, ansiando esquecimento de si mesmo e pondo em prática iniciativas que lhe fizeram afluir ao cofre enormes quantias, valorizando-lhe os títulos bancários. Observando, entretanto, que os altos patrimônios econômicos não lhe arrefeciam a intranquilidade e o sofrimento inconfessáveis, deu-se pressa em casar, aflito
  • 27. 27 por sossegar o próprio intimo. Desposou uma jovem de alma extremamente elevada à zona superior da vida humana, a qual lhe deu cinco filhinhos encantadores. No clima espiritual da mulher escolhida, conseguiu de certo modo equilibrar-se, conquanto a vítima nunca o largasse. Ocasiões houve em que se engolfava nas mais cruéis depressões nervosas, assaltado por es- tranhos pesadelos aos olhos dos familiares; mas sempre resistia, amparado, até certo ponto, pelas afeições de que a esposa, desde muito, dispõe em nossos planos. Se as leis humanas, todavia, correspondem à falibilidade dos homens encarnados, as leis divinas jamais falecem. Conservando as forças tenebrosas acumuladas em seu destino, desde a noite do assassínio, nosso desventurado amigo manteve enclausuradas, no porão da personalidade, todas as impressões destruidoras recolhidas no instante da queda. Repugnava-lhe uma confissão pública do crime, a qual, de certo modo, lhe mitigaria a angústia, libertando energias nefastas, que arquivara. A essa altura da narrativa, Calderaro interrompeu-si. Tocou a zona do córtex e prosseguiu: — A mente criminosa, assediada pela presença invariável da vítima, a perturbar-lhe a memória. passou a fixar-se na região intermediária do cérebro, porque a dor do remorso não lhe permitia fácil acesso à esfera superior do organismo perispirítico, onde os princípios mais nobres do ser erguem o santuário de manifestações da Consciência Divina. Aterrorizado pelas recordações, transia-o irreprimível pavor em face dos juízos conscienciais. Por outra parte, cada vez mais interessado em assegurar a felicidade da família, seu único oásis no deserto escaldante das escabrosas reminiscências, o infeliz, então respeitado por força da posição social que o dinheiro lhe conferia, embrenhou-se em atividade febril e ininterrupta. Vivendo mentalmente na região intermediária do cérebro, em caráter quase exclusivo, só sentia alguma calma agindo e trabalhando, de qualquer maneira, mesmo desordenadamente. Intentava a fuga através de todos os meios ao seu alcance. Deitava-se, extenuado pela fadiga do corpo, levantando-se, no dia seguinte, abatido e cansado de inútilmente duelar com o perseguidor invisível, nas horas de sono. Em consequência, provocou o desequilíbrio da organização perispirituai, o que se refletiu na zona motora, implantando o caos orgânico. Fez característico movimento com o indicador e acentuou: — Repara os centros corticais. Contemplei, admirado, aquele maravilhoso mundo microscópico. As células piramidais, distinguindo-se pelo tamanho, diziam da importância das funções que lhes impendiam no laboratório das energias nervosas. Observando atentamente o quadro, não me parecia que estivesse a examinar o tecido vivo da substância branco-cinzenta: tive a impressão de que o córtex fôsse um robusto dínamo em funcionamento. Não estaríamos diante dalgum aparelho elétrico de complicada estrutura? Mau grado essas impressões, reparei que a matéria cerebral ameaçava amolecimento. Continuava perplexo, sem saber como formular os comentários cabíveis, quando o Assistente me veio em socorro, esclarecendo: — Estamos diante do órgão perispiritual do ser humano, adeso à duplicata física, da mesma forma que algumas partes do corpo carnal têm estreito contacto com o indumento. Todo o campo nervoso da criatura constitui a representação das potências perispiríticas, vagarosamente conquistadas pelo ser, através de milênios e milênios. Em renascendo entre as formas perecíveis,
  • 28. 28 nosso corpo sutil, que se caracteriza, em nossa esfera menos densa, por ex- trema leveza e extraordinária plasticidade, submete-se, no plano da Crosta, às leis de recapitulação, hereditariedade e desenvolvimento fisiológico, em conformidade com o mérito ou demérito que trazemos e com a missão ou o aprendizado necessários. O cérebro real é aparelho dos mais complexos. em que o nosso «eu» reflete a vida. Através dele, sentimos os fenômenos exteriores segundo a nossa capacidade receptiva, que é determinada pela experiência; por isto, varia ele de criatura a criatura, em virtude da multiplicidade das posições na escala evolutiva. Nem os símios ou os antropóides, a caminho da ligação com o gênero humano, apresentam cérebros absolutamente iguais entre si. Cada individualidade revela-o consoante o progresso efetivo realizado. O selvagem apresenta um cérebro perispiritual com vibrações muito diversas das do órgão do pensamento no homem civilizado. Sob este ponto de vista, o encéfalo de um santo emite ondas que se distinguem das que despede a fonte mental de um cientista. A escola acadêmica, na Crosta Planetária, prende-se à conceituação da forma tangível, em trânsito para as transformações da enfermidade, da velhice ou da morte. Aqui, porém, examinamos o organismo que modela as manifestações do campo físico, e reconhecemos que todo o aparelhamento nervoso é de ordem sublime. A célula nervosa é entidade de natureza elétrica, que diariamente se nutre de combustível adequado. Há neurônios sensitivos, motores, intermediários e reflexos. Existem os que recebem as sensações exteriores e os que recolhem as impressões da consciência. Em todo o cosmo celular agitam-se interruptores e condutores, elementos de emissão e de recepção. A mente é a orientadora desse universo microscópico, em que bilhões de corpúsculos e energias multiformes se consagram a seu serviço. Dela emanam as correntes da vontade, determinando vasta rede de estímulos, reagindo ante as exigências da paisagem externa, ou atendendo às sugestões das zonas in- teriores. Colocada entre o objetivo e o subjetivo, é obrigada pela Divina Lei a aprender, verificar, escolher, repelir, aceitar, recolher, guardar, enriquecer-se, iluminar-se, progredir sempre. Do plano objetivo, recebe-lhe os atritos e as influências da luta direta; da esfera subjetiva, absorve-lhe a inspiração, mais ou menos intensa, das inteligências desencarnadas ou encarnadas que lhe são afins, e os resultados das criações mentais que lhe são peculiares. Ainda que permaneça aparentemente estacionária, a mente prossegue seu caminho, sem recuos, sob a indefectível atuação das forças visíveis ou das invisíveis. Verificando-se pausa natural nas elucidações, ocorreram-me inúmeras e ininterruptas associações de ideias. Como interpretar todas as revelações de Calderaro? As células do acervo fisiológico não se revestiam de característicos próprios? Não eram personalidades infinitesimais, aglomeradas sob disciplina nos departamentos orgânicos, mas quase livres em suas manifestações? seriam, acaso, duplicatas de células espirituais? como conciliar tal teoria com a liberação dos micro- organismos, em seguida à morte do corpo? E, se assim fora, não devera a memória do homem encarnado, eximir-se do transitório esquecimento do passado? O instrutor percebeu minhas perquirições inarticuladas, porque prosseguiu, sereno, como a responder-me: — Conheço-te as objeções e também as formulei noutro tempo, quando a novidade me feria a observação. Posso, contudo, dizer-te hoje, que, se existe a
  • 29. 29 química fisiológica, temos também a química espiritual, como possuímos a orgânica e a inorgânica, existindo extrema dificuldade em definir-lhes os pontos de ação independente. Quase impossível é determinar-lhes a fronteira divisória, porqüanto o espírito mais sábio não se animaria a localizar, com afirmações dogmáticas, o ponto onde termina a matéria e começa o espírito. No corpo físico, diferençam-se as células de maneira surpreendente. Apresentam determinada personalidade no fígado, outra nos rins e ainda outra no sangue. Modificam-se infinitamente, surgem e desaparecem, aos milhares, em todos os domínios da química orgânica, prôpriamente dita. No cérebro, porém, inicia-se o império da química espiritual. Os elementos celulares, aí, são dificilmente substituíveis. A paisagem delicada e superior é sempre a mesma, porque o trabalho da alma requer fixação, aproveitamento e continuidade. O estômago pode ser um alambique, em que o mundo infinitésimo se revele, em tumultuária animalidade, aproximando-se dos quadros inferiores da vida, porqüanto o estômago não necessita recordar, compulsoriamente, que substância alimentícia lhe foi dada a elaborar na vés- pera, O órgão de expressão mental, contudo, reclama personalidades químicas de tipo sublimado, por alimentar-se de experiências que devem ser registradas, arquivadas e lembradas sempre que oportuno ou necessário. Intervém, então, a química superior, dotando o cérebro de material insubstituível em muitos departamentos de seu laboratório íntimo. Interrompeu-se o Assistente por alguns segundos, como a dar-me tempo para refletir. Em seguida, continuou, atencioso: — Na verdade, não há nisso mistério algum. Voltemos aos ascendentes em evolução, O princípio espiritual acolheu-se no seio tépido das águas, atra- vés dos organismos celulares, que se mantinham e se multiplicavam por cissiparidade. Em milhares de anos, fêz longa viagem na esponja, passando a dominar células autônomas, impondo-lhes o espírito de obediência e de coletividade, na organização primordial dos músculos. Experimentou longo tempo, antes de ensaiar os alicerces do aparelho nervoso, na medusa, no verme, no batráquio, arrastando-se para emergir do fundo escuro e lodoso das águas, de modo a encetar as experiências primeiras, ao sol meridiano. Quantos séculos consumiu, revestindo formas monstruosas, aprimorando-se, aqui e ali, ajudado pela interferência indireta das Inteligências superiores? Impossível responder, por enquanto. Sugou o seio farto da Terra, evolu- cionando sem parar, através de milênios, até conquistar a região mais alta, onde conseguiu elaborar o próprio alimento. Calderaro fixou em mim significativo olhar e perguntou: — Compreendeste suficientemente? Ante o assombro das ideias novas que me fustigavam a imaginação, impedindo-me o minucioso exame do assunto, o esclarecido companheiro sor- riu e continuou: — Por mais esforços que envidemos por simplificar a exposição deste delicado tema, o retrospecto que a respeito fazemos sempre causa perplexidade. Quero dizer, André, que o princípio espiritual, desde o obscuro momento da criação, caminha sem detença para frente. Afastou-se do leito oceânico, atingiu a superfície das águas protetoras, moveu-se em direção à lama das margens, debateu-se no charco, chegou à terra firme, experimentou na floresta copioso material de formas representativas, ergueu-se do solo,
  • 30. 30 contemplou os céus e, depois de longos milênios, durante os quais aprendeu a procriar, alimentar-se, escolher, lembrar e sentir, conquistou a inteligência... Viajou do simples impulso para a irritabilidade, da irritabilidade para a sen- sação, da sensação para o instinto, do instinto para a razão. Nessa penosa romagem, inúmeros milênios decorreram sobre nós. Estamos, em todas as épocas, abandonando esferas inferiores, a fim de escalar as superiores. O cérebro é o órgão sagrado de manifestação da mente, em trânsito da anima- lidade primitiva para a espiritualidade humana. O orientador, interrompendo-se, acariciou-me de leve, como companheiro experimentado no estudo estimulando aprendiz humilde, e acrescentou: — Em síntese, o homem das últimas dezenas de séculos representa a humanidade vitoriosa, emergindo da bestialidade primária. Desta condição par- ticipamos nós, os desencarnados, em número de muitos milhões de espíritos ainda pesados, por não havermos, até o momento, alijado todo o conteúdo de qualidades inferiores de nossa organização perispiritual; tal circunstância nos compele a viver, após a morte física, em formações afins, em sociedades realmente avançadas, mas semelhantes aos agrupamentos terrestres. Oscilamos entre a liberação e a reencarnação, aperfeiçoando-nos, burilando- nos, progredindo, até conseguir, pelo refinamento próprio, o acesso a expressões sublimes da Vida Superior, que ainda não nos é dado compreender. Nos dois lados da existência, em que nos movimentamos e dentro dos quais se encontram o nascimento e a morte do corpo denso, como portas de comunicação, o trabalho construtivo é a nossa bênção, aparelhando- nos para o futuro divino. A atividade, na esfera que ora ocupamos, é, para quantos se conservam quites com a Lei, mais rica de beleza e de felicidade, pois a matéria é mais rarefeita e mais obediente às nossas solicitações de índole superior. Atravessado, contudo, o rio do renascimento, somos surpreendidos pelo duro trabalho de recapitulação para a necessária aprendizagem. Por lá semearemos, para colher aqui, aprimorando, reajustando e embelezando, até atingir a messe perfeita, o celeiro farto de grãos sublimes, de modo a nos transferirmos, aptos e vitoriosos, para outras «terras do céu». Não devemos acreditar, porém, quanto aos serviços de resgate e de expiação, que a esfera carnal seja a única capaz de oferecer o bendito ensejo de sofrimento áspero, redentor. Em regiões sombrias, fora dela, quais não podes ignorar, há oportunidade de tratamento expiatório para os devedores mais infelizes, que voluntàriamente contraíram perigosos débitos para com a Lei. Verificou-se breve pausa, que não interrompi, considerando a inconveniência de qualquer indagação de minha parte. Calderado, todavia, continuou, solícito: — Perguntas por que motivo não conserva o homem encarnado a plenitude das recordações do longuíssimo pretérito; isto é natural, em virtude da tão grande ascendência do corpo perispiritual sobre o mecanismo fisiológico. Se a forma física evoluiu e se aperfeiçoou, o mesmo terá acontecido ao organismo perispirítico, através das idades. Nós mesmos, em nossa relativa condição de espiritualidade, ainda não possuímos o processo de reminiscência integral dos caminhos perlustrados. Não estamos, por enquanto, munidos de suficiente luz para descer com proveito a todos os ângulos do abismo das origens; tal faculdade, só mais tarde a adquiriremos, quando nossa alma estiver escolmada de todo e qualquer resquício de sombra. Comparando, entretanto, a nossa situação com o estado menos lúcido de nossos irmãos
  • 31. 31 encarnados, importa não nos esqueça que os nervos, o córtex motor e os lobos frontais, que ora examinamos, constituem apenas regulares pontos de contacto entre a organização perispiritual e o aparelho físico, indispensáveis, uma e outro, ao trabalho de enriquecimento e de crescimento do ser eterno. Em linguagem mais simples, são respiradouros dos impulsos, experiências e noções elevadas da personalidade real que não se extingue no túmulo, e que não suportariam a carga de uma dupla vida. Em razão disto, e atendendo aos deveres impostos à consciência de vigília para os serviços de cada dia, desempenham função amortecedora: são quebra-luzes, atuando benêficamente para que a alma encarnada trabalhe e evolva. Além disto, nasci- mento e morte, na esfera carnal, para a generalidade das criaturas são choques biológicos, imprescindíveis à renovação. Em verdade, não há total esquecimento na Crosta Terrestre, nem restauração imediata da memória nas províncias de existência, que se seguem, naturais, ao campo da atividade física. Todos os homens conservam tendências e faculdades, que quase equivalem a efetiva lembrança do passado; e nem todos, ao atravessarem o sepulcro, podem readquirir, repentinamente, o patrimônio de suas reminiscências. Quem demasiado se materialize, demorando-se em baixo padrão vibratório, no campo de matéria densa, não pode reacender, de pronto, a luz da memória. Despenderá tempo a desfazer-se dos pesados envoltórios a que inadvertidamente se prendeu. Dentro da luta humana, também, é indispensável que os neurônios se façam de luvas, mais ou menos espessas, a fim de que o fluxo das recordações não modere o esforço edificante da alma encarnada, empenhada em nobres objetivos de evolução ou resgate, aprimora- mento ou ministério sublime. Importa reconhecer, porém, que a nossa mente aqui age no organismo perispirítico, com poderes muito mais extensos, mercê da singular natureza e elasticidade da matéria que presentemente nos define a forma. Isto, contudo, em nossos círculos de ação, não nos evita as manifestações grosseiras, as quedas lastimáveis, as doenças complexas, porque a mente, o senhor do corpo, mesmo aqui, é acessível ao vício, ao re- laxamento e às paixões arruinantes. Nessa altura das elucidações, arrisquei uma pergunta, no intervalo que se fêz, espontâneo: — Como interpretar, de maneira simples, as três regiões de vida cerebral a que nos referimos? O companheiro não se fêz rogado e redarguiu: — Nervos, zona motora e lobos frontais, no corpo carnal, traduzindo impulsividade, experiência e noções superiores da alma, constituem campos de fixação da mente encarnada ou desencarnada. A demora excessiva num desses planos, com as ações que lhe são consequentes, determina a des- tinação do cosmo individual. A criatura estacionária na região dos impulsos perde-se num labirinto de causas e efeitos, desperdiçando tempo e energia; quem se entrega, de modo absoluto, ao esforço maquinal, sem consulta ao passado e sem organização de bases para o futuro, mecaniza a existência, destituindo-a de luz edificante; os que se refugiam exclusivamente no templo das noções superiores sofrem o perigo da contemplação sem as obras, da meditação sem trabalho, da renúncia sem proveito. Para que nossa mente prossiga na direção do alto, é indispensável se equilibre, valendo-se das conquistas passadas, para orientar os serviços presentes, e amparando-se, ao mesmo tempo, na esperança que flui, cristalina e bela, da fonte superior de
  • 32. 32 idealismo elevado; através dessa fonte ela pode captar do plano divino as energias restauradoras, assim construindo o futuro santificante. E, como nos encontramos indissoluvelmente ligados aos que se afinam conosco, em obediência a indefectíveis desígnios universais, quando nos desequilibramos, pelo excesso de fixação mental, num dos mencionados setores, entramos em contacto com as inteligências encarnadas ou desencarnadas em condições análogas às nossas. O instrutor, com ar fraternal, indagou: — Entendeste? Respondi afirmativamente, possuído de sincera alegria porque, afinal, assimilara a lição. Calderaro fez aplicações magnéticas sobre o crânio do enfermo, envolvendo-o em fluidos benéficos, e disse-me, após longa pausa: — Temos aqui dois amigos de mente fixada na região dos instintos primários. O encarnado, depois de reiteradas vibrações no campo de pensa- mento, em fuga da recordação e do remorso, arruinou os centros motores, desorganizando também o sistema endócrino e perturbando os órgãos vitais. O desencarnado converteu todas as energias em alimento da ideia de vingança, acolhendo-se ao ódio em que se mantém foragido da razão e do altruísmo. Outra seria a situação de ambos se houvessem esquecido a queda, reerguendo-se pelo trabalho construtivo e pelo entendimento fraternal, no santuário do perdão legitimo. O Assistente deixou perceber novo brilho nos olhos percucientes e acrescentou: — Segundo verificamos, Jesus-Cristo tinha sobradas razões recomendando-nos o amor aos inimigos e a oração pelos que nos perseguem e caluniam. Não é isto mera virtude, senão princípio científico de libertação do ser, de progresso da alma, de amplitude espiritual: no pensamento residem as causas. Ëpoca virá, em que o amor, a fraternidade e a compreensão, definindo estados do espírito, serão tão importantes para a mente encarnada quanto o pão, a água, o remédio; é questão de tempo. Lícito é esperar sempre o bem, com o otimismo divino. A mente humana, de maneira geral, ascende para o conhecimento superior, apesar de, por vezes, parecer o contrário. Em seguida, permaneceu Calderaro longos minutos em vigorosas irradiações magnéticas, que, envolvendo a cabeça e a espinha dorsal do enfermo, se me afiguraram fortemente repousantes, porque em breve o doente, antes torturado, se abandonava a sono tranquilo, como se sorvera suavissimo anestésico. Dentro em pouco encontrava-se em nosso círculo, temporàriamente afastado do veículo denso, tomado de pavor perante o verdugo implacável, que se mantinha sentado, impassível, num dos ângulos do leito. Verifiquei que o enfermo não nos notava a presença, qual acontecia com o algoz em muda expectativa. Contava como certo que o Assistente os cumulasse de longas doutrinações; Calderaro, porem, guardou absoluto silêncio. Não me contive: interroguei-o. Porque os não socorrer com palavras de esclarecimento? O doente parecia-me aflito, enquanto o perseguidor se erguia, agora, mais agressivo. Porque não sustar o braço cruel que ameaçava um infeliz? Não seria justo impedir o atrito, que acarretaria consequências im- previsíveis ao companheiro hospitalizado?